Hoje já comprou um banco?


A pandemia mostra o melhor que há na humanidade: uma compulsão para dar. Felizmente, ainda há quem queira receber.


Estimado Ministro Leão,

 

Ao ler esta carta, não quero que tenha pena de mim. Como se diz na minha terra, onde só há uma estrela, “I believe everyone will die someday”.

Chamo-me Manu Acabi e sofro de uma doença incurável que tem desafiado a ciência dos muitos médicos a que tenho recorrido. Nenhum deles me dá mais do que dois meses de vida. Todos estes anos trabalhei arduamente, acumulei muitas riquezas e nunca me preocupei em distribuí-las. Tenho sido insensível a todos os que me pedem dinheiro ou ajuda. Se o Todo-Poderoso me der uma segunda hipótese de voltar a este mundo, quero fazê-lo de consciência tranquila, pelo que, antes disso, quero separar-me de todas as riquezas terrenas.

Nas últimas semanas procurei já distribuir a minha fortuna por várias organizações caritativas, mas tenho descoberto que, com raríssimas excepções, quase todas existem para exclusivo benefício dos que as dirigem. Assim que recebem o meu dinheiro, não o dão aos pobres e necessitados, gastam tudo em álcool e mulheres. Mais vale não dar dinheiro a essa gente ou, como me dizem os meus amigos em Portugal, o melhor é cativá-lo. Enfim, peço que perdoe a divagação, mas que compreenda o porquê de o ter escolhido como destinatário desta missiva.

Sou proprietário da maioria do capital de um banco com sede em Abuja. Neste banco tenho depositado, numa conta secreta, vários milhares de milhões de dólares americanos. Pelas razões referidas, já não confio em ninguém no meu país e preciso de ajuda para movimentar o dinheiro que me resta. Se me ajudar a transferir o saldo daquela conta secreta, ficar-lhe-ei muito grato pelo seu tempo e paciência e transferirei para a conta que me indicar a verba de 850 milhões de dólares americanos, para compensar a sua generosidade e dedicação.

Peço-lhe que não mencione o conteúdo desta conversa a ninguém, em particular ao seu antecessor ou aos membros daquela que foi a sua equipa. Para proceder à transferência, preciso que me dê os códigos de acesso às contas da Direcção-Geral do Tesouro e do Instituto de Gestão do Crédito Público. Se não puder disponibilizá-los de imediato, envie-me já os números e códigos de acesso dos seus cartões multibanco e de crédito (Visa ou Mastercard), chave de autenticação do acesso às suas contas bancárias pela internet e códigos PIN e PUK dos seus telemóveis.

Compreendo que procure obter garantias quanto à transacção que lhe proponho. Essa preocupação só o honra aos meus olhos e faz-me ter mais certezas quanto à bondade da sua escolha para levar a cabo esta missão delicada. Se tiver oportunidade de contactar a sede do Fundo Monetário Internacional, no desk F2MSBC (Former Finance Ministers of Small Bankrupt Countries), encontrará quem poderá esclarecê-lo quanto aos mistérios do Espírito Santo na pessoa do pai e do filho, do velho e do novo, bancos incluídos. Seja discreto e não telefone depois das 16h00 locais.

Perdoará que volte a enfatizar a confidencialidade que deve rodear esta transacção. Compreenderá a urgência que coloco no pedido que lhe faço. Resta-me pouco tempo de vida e, caso decida recusar a minha proposta, terei de encontrar uma solução alternativa. Assim sendo, peço-lhe que responda a este email até ao final do dia de hoje.

Queira aceitar, Senhor Ministro, a mais elevada expressão da minha consideração,

Manu Acabi

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990