As verdadeiras razões da saída de Mário Centeno do Governo só um dia mais tarde se saberão, talvez nas memórias do ex-ministro das Finanças, se um dia decidir escrevê-las.
Até lá, especula-se sobre as causas desta baixa de peso no Governo de António Costa. Zanga, cansaço ou ambição por outros cargos mais bem remunerados? Enfim, um leque de razões à medida da criatividade de jornalistas e comentadores.
A verdade é que nem o ex-ministro nem o chefe do Governo quiseram esclarecer a demissão, ficando-se Mário Centeno pelo simples “fim de ciclo”, e António Costa pelos agradecimentos da praxe.
Vejamos então o “fim de ciclo” de que fala Centeno. Será difícil entender esta justificação, uma vez que o que acontece é exatamente estarmos a meio de uma situação de gravíssima crise, causada pela pandemia, que exigiria que os responsáveis pelas áreas mais diretamente envolvidas permanecessem nos seus postos, para que foram nomeados há apenas oito meses.
A não ser que, ao falar de fim de ciclo, Mário Centeno nos esteja a prevenir para o que aí vem, e não se prevê que seja algo de bom.
António Costa ficou-se pelos agradecimentos, mas saiu também em defesa do ex-ministro na tão falada quanto polémica hipótese de vir a ocupar o cargo de governador do Banco de Portugal.
E perguntou: Centeno cometeu algum crime?
Evidentemente, não cometeu nenhum crime e não está sequer impossibilitado legalmente, até à data, de vir a ocupar o cargo.
E digo até à data porque o Parlamento montou um verdadeiro espetáculo com a aprovação, horas depois do anúncio da demissão de Centeno, de uma lei que impõe um período de nojo de cinco anos para quem sai do Governo diretamente para entidades reguladoras independentes e para o cargo de governador do Banco de Portugal.
“Ironia do destino”, exclamaram alguns deputados.
A lei, aprovada na generalidade, carece de aprovação final, querendo agora os autores da proposta que essa votação se realize a 3 de julho, isto é, quatro dias antes da data de fim do mandato do atual governador, Carlos Costa.
Como a lei tem de ser promulgada pelo Presidente da República, vai ser interessante seguir esta verdadeira corrida contra o tempo e confirmar os interesses em jogo.
O que se conclui, mais uma vez, é que a ética e a política estão há muito divorciadas, e de forma litigiosa.
Ninguém põe em causa a qualidade técnica de Mário Centeno e os resultados do seu trabalho nas Finanças, nomeadamente o equilíbrio das contas públicas, embora a exclusiva concentração nas “contas certas” tenha dado lugar a atrasos gritantes no investimento em setores públicos vitais, as famosas cativações, cujo artífice, soube-se agora, é o atual ministro, promovido de secretário de Estado.
Entra Leão, sai Centeno. Teremos uma renovação na continuidade ou mais do mesmo?
Aguardemos pelas cenas dos próximos capítulos.
Jornalista