Da condição de recluso

Da condição de recluso


Entre 2008 e 2016, registaram-se 121 suicídios nas prisões portuguesas. A esta realidade, extremamente pesada, somam-se 70 agressões a guardas-prisionais, entre 2014 e 2016, por parte de detidos. 


Embora a lei estabeleça o carácter excepcional do alojamento comum, em realidade, apenas em dois ou três estabelecimentos prisionais portugueses se observam celas destinadas a um preso; em 46 prisões, há camaratas. Em perfeito contraste, na Alemanha, todos os presos têm a chave da sua cela, que é sempre individual, e os guardas recebem formação de dois anos em Psicologia. 

A toxicodependência é, ainda, e muito, infelizmente, condição habitual atrás das grades, lugar, na visão de vários ex-reclusos, despido de afectos (e a prisão torna as pessoas muito carentes, em termos afectivos), no qual a tensão entre a salvaguarda entre a vida privada, de uma banda, e a necessidade de vigilância das celas, no outro prato da balança, se faz sentir e onde, não raramente, são os mais novos a criar problemas, em especial os que se encontram em prisão preventiva (temos, note-se, diferentes prisões para pessoas com penas longas, ou em prisão preventiva). A lei permite 2 visitas semanais, de 1h30 (cada); as visitas íntimas, com relações sexuais, começaram a ser testadas em 1998, em Ponta Delgada, e, desde 2009, é permitida a casais do mesmo sexo. Em 2017, eram 15 as cadeias portuguesas com condições para garantir visitas íntimas. "As visitas íntimas evitam muita porrada", garantem ex reclusos. Os telemóveis estão disseminados entre os reclusos, pelo que a norma da chamada telefónica diária com a duração de 5 minutos ter-se-á tornado, eventualmente, obsoleta. Qualquer coisa parece poder fazer incendiar as relações entre reclusos, que alertam para pedras soltas no interior dos Estabelecimentos Prisionais, mais cortantes, mais perigosas do que navalhas. 

No Estabelecimento Prisional de Lisboa, há apenas 220 guardas para 1260 detidos (o que suscitou, inclusive, a advertência do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura). No testemunho de ex-reclusos, recolhido por Pedro Prostes da Fonseca, num dos mais Retratos, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, Vidas de prisão  (que não ouviu actuais reclusos porque o seu testemunho poderia ser muito mais condicionado, com receio pelo modo como os diferentes agentes lidariam com a sua situação; de qualquer forma, um livro a partir, sem dúvida, de um ponto de vista: o de quem esteve atrás das grades; sendo que, evidentemente, a multiplicidade dos agentes, nas prisões, é bem maior, o que não prejudica a escolha dos escutados) a existência de ratos, na prisão de Lisboa, as aranhas semanas à espera, a falta de estofo de alguns técnicos tenros de idade, sejam psicólogos, sejam outros técnicos de reinserção social, bem como o espancamento a pedófilos, e o confiar-se, de um recém-recluso, a um elemento mais velho/forte, com vista à sua salvaguarda e protecção física, são dados do quotidiano. "O que a prisão me fez – diz um dos ex reclusos entrevistados para este retrato – foi tornar-me mais frio, menos compreensivo. Irrito-me muito facilmente". 
É possível que nem nos lembremos que, por vezes, nas cadeias portuguesas nem possibilidades haja de jogar à bola por falta de espaço, ou que o sol quase não entre – era assim em Bragança, por exemplo, até às obras de beneficiação de 2017. Em prisões regionais, não existe a possibilidade de trabalhar. Nem, tão pouco, existe avaliação/aferição relativamente à reacção à privação da liberdade, e aquela concreta cadeia, por parte de cada pessoa que é recluso. Os pátios das prisões não têm boa vigilância.

Portugal tem uma média de reclusos por 100 mil habitantes superior à média europeia – entre nós, 140 reclusos por 100 mil habitantes; a média europeia é de 116 reclusos por 100 mil habitantes. Na Holanda, diferentemente, fecharam-se recentemente, 24 estabelecimentos, por falta de reclusos; nos Países Baixos, temos 57 detidos por cada 100 mil habitantes.

O ócio nas prisões vem sendo estudado desde o séc.XIX, sendo que a obrigação do preso trabalhar, em Portugal, terminou no final da II Guerra Mundial, na sequência da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 2014, a prisão feminina de Odemira era a cadeia portuguesa com maior taxa de ocupação laboral. 

Fugir paira na mente de muitos reclusos; entre 2012 e 2017, registaram-se 42 evasões da prisão. Longe, em qualquer caso, de grandes fugas das prisões portuguesas (como a de Julho de 1978, em Vale dos Judeus, durante a qual fugiram 124 presos). Nas precárias – e entende-se que o Director não deve tratar os reclusos como cobaias, evitando, ainda, recusar a primeira saída precária -, em 2002, a taxa de fuga foi somente de 1,2%.

Um estudo nos EUA provou que animais de estimação ajudam a reduzir conflitos nas cadeias, mas em Portugal nunca foi testada essa experiência. País, os Estados Unidos, no qual há um movimento, ainda que minoritário, abolicionista face às prisões, demandando formas alternativas de resposta, como se pode ler numa edição de 2018 da revista The Nation

Continuo a pensar que o estádio civilizacional de um país também se mede, e muito, pelo modo como trata os seus reclusos (sendo certo que países como o Ruanda, a Tailândia, a Turquia ou o Brasil têm prisões e condições para os detidos mil vezes piores que as portuguesas); recordo, também, em este âmbito, uma conferência, em que marquei presença, com o (então) responsável pela secção dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, em que este alertava para o facto de muitos advogados darem o melhor de si para evitar a prisão, ou conseguir a pena de prisão mais leve para o seu constituinte, mas, em este se encontrando atrás das grades, não mais saberem dos ou reivindicarem os seus direitos (enquanto presos); creio que um espaço de cidadania como este é sempre uma carta lançada à espera de um leitor e que devemos alertar os cidadãos para estarem bem despertos para a realidade daqueles que, em algum momento, pelos mais variados motivos, erraram e praticaram um crime, mas cuja dignidade (inalienável) devemos continuar a respeitar, zelando pela sua reabilitação, com a convicta esperança de que os seus talentos serão ainda colocados a render ao serviço da comunidade e do bem comum.