O desfecho da votação estava anunciado, com o Orçamento Suplementar a passar na generalidade, só com os votos a favor do PS, a abstenção da esquerda, PAN, Joacine Katar Moreira e do PSD, e os votos contra do CDS, da Iniciativa Liberal e do Chega. A maratona de intervenções de ontem serviu, sobretudo, para o Governo fazer passar a mensagem de que “a austeridade não é a resposta a esta crise”, de que não há cortes nos salários e nas pensões e que a proposta até é um “balão de oxigénio” para o país.
Esta foi a principal mensagem que o primeiro-ministro quis deixar.
Mas a discussão teve vários elefantes na sala: a injeção de mais dinheiro para o Novo Banco, a saída de Mário Centeno do Governo ou as soluções para salvar a TAP. Mas já lá vamos.
O debate segue, agora, na especialidade e o líder do principal partido da oposição, Rui Rio, assegurou ontem aos jornalistas (já após a votação) que o PSD “não vai inundar” o diploma de propostas de alteração. Terá algumas propostas emblemáticas como a regra de pagamento a 30 dias aos fornecedores do Estado, mas “se não passarem fica o diploma que está hoje”. Os sociais-democratas sublinham que este não é o seu orçamento suplementar, mas o país precisa de um diploma para acudir aos problemas sanitários, económicos e sociais.
Apesar de não estar decidido o sentido de voto do PSD, na versão final global, no dia 3 de julho, Rio sinalizou que não criará grandes obstáculos. No limite, se tudo correr mal à esquerda, o PSD pode vir a ser a tábua de salvação do Executivo para aprovar a versão final do documento daqui a duas semanas. Logo se verá. Para já, ficou a mensagem política de Costa para os ex-parceiros de esquerda com os votos de que a parceria “deve ser retomada com renovada estabilidade no horizonte da Legislatura”.
Do debate parlamentar de ontem ficou claro que a redução do IVA na eletricidade (a bandeira maior do Bloco de Esquerda desta legislatura pré-pandemia) não será para já. Jorge Costa, do BE, bem desafiou o novo ministro de Estado e das Finanças, João Leão, que se estreou ontem no Hemiciclo, para avançar já com a medida. Há luz verde europeia para reduzir o IVA na luz, conforme os consumos, mas só “em tempo oportuno quando tiver a aprovação final da Comissão Europeia”, avisou João Leão perante o pedido do BE para que não haja recuos. Ora, o PSD também pode vir a ser aqui uma peça-chave no processo. O BE quer que a medida entre em vigor com este orçamento suplementar, mas Rui Rio não se comprometeu: “Não lhe digo de antemão se voto contra ou a favor. Mas as circunstâncias são outras”, avisou Rio, alertando que a medida (que já foi apadrinhada pelo PSD) foi proposta num outro cenário (pré-pandemia e com folga financeira).
Lá dentro, no debate, a discussão aqueceu logo no início com o deputado Duarte Pacheco a acusar o antecessor de João Leão de ter “desertado” por interesse pessoal (leia-se o cargo de governador do Banco de Portugal). Rio acrescentou que “falaram mais alto as clivagens internas no Governo de que o respeito institucional pela Assembleia da República e do povo português”. Uma falha “grave” e uma saída de Centeno “quase pela porta dos fundos”, acusou Rio.
Por sete vezes, João Leão teve responder aos partidos da esquerda (PCP, BE, PEV), mas também ao PSD e ao PAN, e ao Chega de que não iria injetar nem mais um cêntimo no Novo Banco este ano. E “sim, estamos estupefactos”, sintetizou o novo ministro sobre as declarações de António Ramalho (presidente do Novo Banco) sobre um possível reforço financeiro, depois de ouvir de várias bancadas a expressão “elefante na sala” em relação ao Novo Banco. Para o Montepio também nada está previsto, assegurou João Leão, numa resposta ao Chega.
A TAP também foi tema trazido ao debate pelo PSD, o PCP, o CDS, o PAN e o Chega, com críticas do PSD e do PAN de que as ajudas à TAP (mais de 900 milhões ) são superiores ao reforço no SNS (500 milhões). O primeiro-ministro garantiu: “O orçamento do SNS será dez vezes maior do que o dinheiro para a TAP”. E João Leão admitiu que, após o auxílio de emergência “pode estar também em equação a conversão de parte do empréstimo do Estado em capital, e nesse caso o Estado também ficaria como acionista da TAP”.
A esquerda deixou um caderno de encargos, sendo que o PCP lembrou, pela voz de Paula Santos, que espera uma versão final global “substancialmente diferente” da proposta inicial (os comunistas apresentaram entretanto 20 propostas de alteração).
Catarina Martins, coordenadora do BE, pediu a Costa para que “não caia na tentação da autossuficiência”, enquanto, à direita, Cecília Meireles, do CDS, considerou que o Orçamento não corresponde ao que é preciso, e que há “tiques de autoritarismo do Governo”, ao ponto de a proposta ter sido feita por Mário Centeno e defendida por João Leão. João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, acrescentou que a proposta “é fraca”, acrescentando que o Governo se acha o “dono disto tudo” por permitir a ida de Centeno para o Banco de Portugal, enquanto o Parlamento ainda debate uma lei para travar esta passagem da política para a supervisão.
Joacine Katar Moreira absteve-se, mas disse que a proposta é insuficiente para os mais vulneráveis.
Para memória futura fica a promessa de João Leão: “Não prevemos nenhum aumento de impostos para o futuro”. E o PS fechou o debate com um apelo: “Atuar com taticismos será incompreensível”, pediu José Luís Carneiro, dirigente socialista. As contas fazem-se no dia 3 de julho com a votação final global do diploma.