Há fados maiores que a própria história que temos e raízes culturais que não se apagam mesmo quando já não há qualquer herança genética de quem foi progenitor de maus hábitos.
Em Portugal, por estes dias, vê-se uma panóplia de exemplos que demonstram bem o significado de “triste fado lusitano”. Sobretudo, demonstram o enraizado que esta o vírus do Nacional Porreirismo no nosso País.
Esta forma de estar, hoje e sempre, é a mais clara manifestação política da expressão Ópio do Povo. Assim se enganam todos.
Fez ontem 3 anos da infeliz data que nunca esqueceremos. Não só pela intensidade dos incêndios na região centro de Portugal mas sobretudo pelo custo doloroso em perda de vidas humanas. 66. 66 vidas que se perderam.
Nunca, em momento algum, um infortúnio deste calibre tinha devastado tanto o ego nacional. É preciso termos noção que, para além da dor pela perda humana, o fogo de Pedrógão Grande causou ainda a destruição de mais de 500 habitações e 50 empresas. Estimativas, já com mais de dois anos, apontavam para prejuízos na ordem dos 80 milhões de euros a nível ambiental pela perda de floresta, ao passo que os danos das Habitações rondavam os 30 milhões de euros. Na Agricultura, 20 milhões de euros de prejuízo. 32 milhões de euros no Turismo e na Indústria.
Falamos de algo estratosférico a nível humano, económico e ambiental.
Ontem, dia 17 de junho de 2020, três anos depois deste triste acontecimento que nunca iremos esquecer pelo impacto que causou, tivemos pelas 11:00 horas a presença do Presidente da República numa missa em Figueiró dos Vinhos, concelho vizinho a Pedrógão Grande e que também foi atingido pelas chamas. Ponto final no assinalar desta catástrofe eterna da nossa história.
Não era bem a resposta que os portugueses queriam. Muito menos a solução que estudaram (foi?) nestes três anos terá estado refletida nos Jardins do Palácio de Belém, ontem, em cima dos noticiários televisivos da hora de jantar (que coincidência) onde se juntaram tantas figuras com responsabilidade à data de hoje. Se o incêndio de Pedrógão passou silenciado na emoção das palavras, em que não chega o insuficiente discurso de “fizemos tudo o que podíamos fazer”, já a final-eight da Champions League teve direito a um «super-comício» de figuras de Estado.
Vejamos: Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Ministro de Estado e da Economia, Ministra da Saúde, Ministro da Educação, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e (o único meritório desta vitória, que é) o Presidente da Federação Portuguesa de Futebol.
Uma declaração de interesses sobre o magnífico, e excecional, evento que Lisboa irá acolher no mês de Agosto. Estes últimos jogos da competição desportiva de futebol mais acompanhada e visionada do planeta, a Champions League 2020, é uma belíssima vitória. Sobre isto, pelo que se soube nas últimas semanas, a confirmação que a UEFA deu ontem às 14:30 horas revela muito trabalho e organização da Federação Portuguesa de Futebol, no seu Presidente Fernando Gomes, e isso é mérito nacional também.
É bastante positivo e basta relembrar que a poderosa Alemanha também estava na corrida pela organização desta competição e “ficou apenas” com a Europa League ao passo que Espanha ficou com a organização da Liga dos Campeões feminina.
Esta escolha revela que Portugal ficou em posição de destaque fruto da organização que tem revelado sob égide da liderança de Fernando Gomes. É uma ótima notícia sabermos que toda a atenção desportiva, durante praticamente um mês, irá começar por “Em Portugal” ou “Em Lisboa”. É uma montra interessante que, mesmo sem públicos e vinda de charters repletos de adeptos, terá os melhores atletas futebolísticos da Europa na capital portuguesa no Estádio da Luz e no Estádio José de Alvalade.
Mas, na data de ontem, será que as Figuras de Estado venderem pão e circo para esconder a realidade do País de hoje e de há três anos é bonito? Não. Ficaria sempre bem a satisfação de organizar este evento. Que sendo excecional, em virtude da pandemia, e único, repete a fórmula de vitória portuguesa que já trouxe a organização da Liga das Nações da UEFA de 2018-19 (em que Portugal venceu dentro das quatro linhas também) em moldes muito similares.
Mas e hoje? O país de hoje? Ninguém fala? A Champions League abafa tudo!? Precisamente ontem, em dia de aprovação na generalidade da proposta de Orçamento suplementar desenhado por Mário Centeno e defendido por João Leão (coisa estranha), ninguém comenta os números divulgados pelo Banco de Portugal que atualizou o boletim económico de junho com um cenário pior que o de março (-5,3%), superado negativamente o anterior registo com a economia cair 9,5%? Recordar ainda que estes 9,5% de queda estão bem acima dos 6,9% estimados pelo Governo. Estranho silêncio económico quando estiveram tantas figuras de Estado juntas e poderiam dar um sinal de solução e esperança aos portugueses que estão preocupados com a crise que advirá da COVID-19.
E de há três anos? Ninguém fala também? Pedrógão ontem não merecia mais? Quando dizemos Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos mas sobretudo todo o interior norte do distrito de Leiria, recordamos a política das florestas e a resposta – ou ausência dela – deste Governo.
“A floresta ficaria mais silenciosa se só o melhor pássaro cantasse” dizia Van Dyke. E é precisamente sabendo que não é isolando só um ou dois aspetos que se resolve o que Pedrógão em 2017 deixou à vista de todos os Portugueses. Como não se resolve os 27.000 hectares ardidos em Monchique entre 3 e 10 de agosto de 2018. Falta pragmatismo, menos palavra de circunstância política ou mediatismo de capa de jornal e mais ação governativa para estes casos que ontem mereceram menos palco que a organização da final-eight da Champions League de 2020.
Paralelamente ao setor Económico e ao setor Social, o setor Ambiental completa os três vetores preponderantes para se levar a cabo a resposta à problemática das alterações climáticas e, consequentemente, sendo este um dos pilares no programa de Governo desta Legislatura, a Floresta.
Em 2017, foram aprovados dez dos dozes diplomas que constituem a Reforma da Floresta. Hoje, como emana da Lei, todos os diplomas estão publicados em Diário da República. Dos vários diplomas levados a debate na anterior e já nesta Legislatura, a Assembleia da República não aprovou a criação do Banco de Terras, onde se tinha o objetivo de colocar todo o património rústico do Estado – e os terrenos sem dono conhecido -, para atribuir, por arrendamento, a agricultores (preferentemente jovens), e a Entidades de Gestão Florestal (preferentemente cooperativas de produtores florestais, no caso dos terrenos com aptidão florestal). Assim temos noção da discussão e do que faltou.
Porém, novamente levado a debate em junho de 2019, o Parlamento português votou a suspensão por dez anos o anteriormente citado decreto de lei das terras sem dono. Assim, em pleno 2020, e após anos severos na última década de incêndios e perdas avolumadas na agricultura e cultivo de milhares de portugueses, podemos afirmar que continuamos sem uma efetiva Reforma Florestal a 100%.
A Reforma das Florestas é algo decisivo para o futuro de Portugal. Não há dúvida alguma. Não precisamos de misticismos, de «Gretas Thunberg’s da vida» ou frases soltas em programas políticos de Governação. Precisamos de ação.
Ação para corresponder às necessidades de investimento de quem aposta no setor primário mas também de quem tem o infortúnio de ver “arder” uma vida de trabalho e em que não bastam abraços de um Presidente da República em Monchique e em Pedrógão. É necessário ter-se razoabilidade e praticar o que a teoria de todos, da direita à esquerda, defende no papel.
Atenção. Esta Reforma Florestal não evitará incêndios na totalidade, mas fará com que mecanismos de mitigação de custos florestais e financeiros às famílias dependentes de agricultura e floresta sejam inferiores. Dizem Académicos, Políticos e quem vive e faz viver os “pulmões verdes” que temos. Enquanto portugueses está na altura de exigirmos responsabilidade acima de abraços e «festanças» de Champions League em Jardins presidenciais.
Relativamente à Reforma da Floresta temos de partir do que hoje Portugal tem. Saber onde estamos é um passo certo para conseguir vislumbrar para onde vamos e queremos ir. E, sabendo isso, o que temos já não é “pouco”. Basta ver que temos o Decreto-Lei n.º 67/2017 de 12/06, o Decreto-Lei nº 66/2017 de 12/06, o Decreto-Lei n.º 65/2017 de 12/06, o Decreto-Lei n.º 8/2017 de 19/01, o Decreto-Lei n.º 64/2017 de 12/06, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/2016 que estabelece o Plano-Piloto do PNPG – Parque Nacional da Peneda-Gerês, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 59/2017 que adota o Programa Nacional de Fogo Controlado, a revisão do Regime Jurídico das Ações de Arborização e de Rearborização, a Criação do Sistema de Informação Cadastral Simplificada e ainda a revisão do Decreto-Lei que estrutura o Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios.
A Lei resolve tudo ou foi só papel? Sabermos onde encontrar respostas, resolve? Basta recordarmos que, em questões pequenas, como parcelamentos dos terrenos, os anos recentes demonstram de forma inequívoca que a parte executiva governamental não efetivou o que pode ser legislado; Não souberam dar resposta ao que só os conhecedores e técnicos ambientais defendem. Vão a Monchique. Vão a Pedrógão. Cheguem-se aos produtores agrícolas de Silves. Ouçam quem sabe. Saiam da bolha do Nacional Porreirismo que preenche a espuma dos dias.
Por vezes, em pleno 2020 (incrível demagogia) ouvimos dizer ainda que na prática há pouco a fazer para resolver as questões diárias. Há? Utilizar a economia das florestas como rendimento e potenciação económica, vendo os resíduos florestais como fonte de produção de eletricidade, produção de calor e também fonte de dinamismo da economia é pouco? Talvez não seja pouco.
Pensemos em reformar e mudar o paradigma do setor primário no campo da energia. É essencial.
Politicamente, mas sobretudo objetivamente, é possível avaliar erros que tardam em mudar por amarras que impedem quem legisla de sair da bolha do Nacional Porreirismo e ir ao encontro de quem conhece as serras, as florestas e este Portugal ainda tão desconhecido para alguns nas zonas de Serra e Floresta.
Exemplo clássico de ausência de vontade: Como podemos ter a Eletricidade a taxa mínima sobre imposto valor acrescentado, e o gasóleo por sua vez possuir taxa intermédia, ao passo que os Pellets ou biocombustíveis sólidos oriundos da gestão florestal estejam taxados a níveis máximos? Será assim tão difícil de se ver? Respondemos: Não. Não e é uma questão que já vai a debate desde a Legislatura passada. Assim, sem aposta evidente e efetiva, é difícil mudar qualquer paradigma.
Precisamos de cada vez mais soluções e menos palavras vazias de resposta aos portugueses.
Ontem devíamos ter assinalado Pedrógão e as Florestas.
Devíamos ter ouvido respostas para os casos que vimos em que as casas de segunda habitação foram contruídas na zona dos incêndios de 2017 e as primeiras habitações continuam à espera. Devíamos já saber como existiram donativos a desaparecerem e alguns outros a pararem esquecidos em armazéns. As vítimas continuaram sem nada receber e alguns portugueses deste infeliz grupo já faleceram, infelizmente, sem ver a solidariedade dos portugueses lhes chegar ou ajudar.
Passados 3 anos, ninguém prestou contas perante qualquer Tribunal. Passados 3 anos, temos portugueses sem respostas ainda. Temos regulamentos para atribuição de donativos ainda a serem feitos por autárquicas, mais de mil dias depois! Não se percebe.
Haveria mais atos de tristeza a expor face ao caso da região de Leiria.
Quase tão tristes quanto ontem ver Portugal continuar calado sobre tantas respostas que poderia dar às Florestas de todos os 308 concelhos do País e às famílias, empresas e ambiente que há três anos tanto sofreu em Pedrógão. Quase tão triste quando ver e ler um Primeiro-Ministro dizer que a organização da Final-Eight da Champions League “é um prémio para os profissionais de saúde”. Que vergonha alheia.
Três anos depois, a Reforma das Florestas espera.
Três anos depois, Pedrógão também espera.
Que não sejam precisos mais três anos e que esta realidade do nacional porreirismo mude sem ser “precisa” outra catástrofe para o Estado finalmente dar respostas onde o próprio Estado falhou.
Carlos Gouveia Martins