A proposta de Orçamento Suplementar, entregue no Parlamento, não foi acompanhada de qualquer parecer jurídico inicial, mas o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, fez chegar aos grupos parlamentares um parecer – assente num acórdão do Tribunal Constitucional de 1986 –, de Carlos Blanco Morais, antigo assessor de Cavaco Silva, no passado dia 12, a recordar que há uma norma-travão, prevista na Constituição, que obriga a que não se apresentem medidas que alterem previsões de despesa e receita orçamentais.
Dito de outra forma: os deputados receberam uma espécie de lembrete a desaconselhar propostas de alteração que impliquem mais despesa do que o previsto nas contas públicas.
Assim, o parecer, enviado pelo Executivo, recorda que “não é de aceitar que, face a uma simples proposta de alteração do Orçamento, a Assembleia da República possa proceder a modificações orçamentais que não se inscrevem no âmbito da proposta do Governo”, de acordo com o mesmo documento, citado pelo Eco. Mais, “Não se pretende que a Assembleia da República esteja vinculada à proposta de alteração feita pelo Governo. Pode aceitá-la ou rejeitá-la. Pode aumentar as receitas, como se propõe, ou aumentá-las numa percentagem diferente do que a pretendida. Igualmente poderá não diminuir as despesas, ou diminuir menos do que se pretende. Não pode é proceder a alterações que extravasem o âmbito da proposta”, refere o mesmo texto.
O primeiro a dar o alerta para este parecer foi o comentador da SIC, Marques Mendes. O também antigo líder do PSD (e atual conselheiro de Estado) lembrou que, mesmo não sendo essa a intenção do parecer, o texto poderia ser considerado “provocatório” para os partidos. E foi.
Ontem, a partir de Belém, António Costa, o primeiro-ministro, ainda justificou a iniciativa porque “há muitos anos que Portugal não tinha orçamentos suplementares ou retificativos” e “muitos dos deputados são novos e talvez houvesse menos memória sobre qual é o quadro próprio inerente à elaboração de orçamentos retificativos”. Ou seja, a lei-travão mantém-se.
Ora, as reações não tardaram e foram, sobretudo, de surpresa, mas também de alerta para uma eventual tensão.
Do lado do PSD, Afonso Oliveira considerou, citado pela SIC, que “no mínimo seria pouco democrático”. O CDS criticou o Governo e o parecer também não agradou à esquerda.
Mariana Mortágua, do BE, avisou que “seria inédito se a Assembleia da República não pudesse fazer um processo de especialidade de um Orçamento Suplementar”, em declarações aos jornalistas. E os comunistas até responderam em vídeo pelo voz do deputado Duarte Alves. O parlamentar comunista sublinhou que a “Assembleia da República não pode ficar limitada na sua capacidade de intervenção no processo orçamental”.
Em comunicado, o porta-voz do PAN, André Silva, classificou o documento como “uma intromissão nas competências do Parlamento e uma forma de condicionar o debate das opções e das respostas orçamentais, o que denota, antes de mais, uma falta de respeito pelos deputados”. A tensão está instalada.