Dar a mão à TAP? Sim, mas sem esquecer  que o essencial é mesmo o aeroporto

Dar a mão à TAP? Sim, mas sem esquecer que o essencial é mesmo o aeroporto


A solução da concessionária não atende os critérios de saúde e bem-estar do século XXI. A inconsciência ambiental da fuga Vinci à obrigação de avaliação ambiental estratégica do conjunto Portela + Montijo, terá consequências para Portugal, não para a Vinci.


A concentração da população nas cidades é incontornável. Modelar a atividade aérea a esta realidade, articulando-a com a ferrovia no sentido de melhorar a “Vivência Citadina” é, no presente, desafio e oportunidade para repensarmos estratégias à luz das tendências no transporte aéreo e aeroportos:

1 – O modelo das transportadoras budget foi o catalisador de um ciclo de crescimento de tráfego nunca antes visto e revolucionou as forças de mercado. Em poucos anos, as transportadoras budget ultrapassaram as de “bandeira”, que se reconverteram ou desapareceram;

2 – O embaratecer das viagens aumentou o peso das estadias de curta-duração, reforçando o valor da proximidade dos aeroportos. Em poucos anos, destinos turísticos com ligações ponto a ponto ultrapassaram em passageiros muitos dos tradicionais aeroportos com transferência;

3 – No incremento de capacidade aeroportuária é imperativa a Avaliação Ambiental Estratégica. Os hubs saíram das cidades por incompatibilidade com exigências de saúde e bem-estar da população.

As duas maiores transportadoras em passageiros internacionais já são Ryanair e Easyjet. A primeira transportadora mundial no ano 2018 (fonte IATA) foi a budget americana Southwest com 164 milhões (97% doméstico), mas a nota mais impressiva foi na vertente internacional, onde a Ryanair trepou ao primeiro lugar com 137 milhões, secundada por EasyJet com 80 milhões, ficando-se Lufthansa por 51 milhões.

A estratégia budget de interligação direta entre países do mesmo espaço (EU), apoiando-se em múltiplas bases de apoio em vez da típica centralização das transportadoras-bandeira tirou importância a estas e polarizou o desenvolvimento aeroportuário.

Nos últimos anos, o motor foi a atratividade e engenho do próprio destino para mobilizar interligações médio curso budget, que, sendo muitas, a seguir atraíram ligações longo curso. É na atratividade de Lisboa que assentou o forte crescimento de tráfego. Barcelona não é base de companhia “nacional” e atingiu no ano passado 52 milhões de passageiros graças à sua eficácia na atração de transportadoras.

O efeito da pandemia nas transportadoras aéreas vai estender-se por vários anos. Na Europa, as ajudas às empresas “nacionais” serão para as manter a voar não para cresceram. Lufthansa, Air France e KLM têm objetivos de reconversão ambiental e rentabilidade ligados aos apoios financeiros e não a metas de volume de passageiros. E o mesmo acontecerá com a TAP.

Ser base de transportadora full service continuará a ser um fator potenciador mas a entrecruzada malha budget pode compensar a sua fraqueza, como se comprovou no declínio da Alitalia. A Ryanair ascendeu a primeira transportadora “italiana” (fonte ENAC 2017) transportando 36,3 milhões, seguida da Alitalia com 21,8 milhões e Easyjet com 16,5 milhões. Lisboa tem potencial para crescer em turismo como Barcelona. Mas devemos estar cientes que não basta ajudar a TAP, que movimentou na Portela 15 milhões de passageiros, para Lisboa satisfazer a procura de 65 milhões.

Pode-se crescer com fraca transportadora “nacional” mas capacitada infraestrutura aeroportuária, contudo a inversa não é possível. Se a transportadora Alitalia fechar o turismo italiano continuará a crescer, mas se os aeroportos italianos minguarem o turismo definha.

A TAP é para nós relevante, mas as budget Ryanair e Easyjet somadas já transportavam em Portugal um semelhante volume de passageiros e, provavelmente, iriam em breve ultrapassá-la. É importante dar a mão à TAP mas é preciso fazer contas.

O essencial é o aeroporto. A Portela opera com plano de contingência há décadas. É o aeroporto que desde há três anos recusa voos (informe ANA), não são as transportadoras que recusam passageiros.

É o aumento dos atrasos na Portela, em 2017 já no impensável nível de 27,1% e no ano seguinte ainda subiu para 34% (fonte ANAC), que afastam as transportadoras. São as elevadas taxas ANA que não aliciam as transportadoras. Tudo ao contrário do que deve ser um aeroporto com transferências.

A troika não é desculpa para o impasse a que se chegou. A pressa de colocar todos os ovos (aeroportos nacionais) no mesmo cesto e, pior, sem qualquer participação pública para intervir no rumo estratégico, não foi imposta pela troika. A Irlanda não privatizou, a Grécia privatizou cinco anos mais tarde que nós, dividindo em três concessões e nelas mantendo participação.

Os dois países estão hoje mais avançados que Portugal na modernização aeroportuária. Dublin vai abrir terceira pista (segunda paralela) já no próximo ano, com pátio-aeronaves que é três vezes o da Portela.

Em Lisboa, o resultado de sete anos de concessionária Vinci foi eliminar uma pista para atenuar a falta de área e agora abusar da posição leonina para, sem estudos, coagir Portugal a aceitar, como mal menor, o reforço do último hub europeu na cidade até 55 milhões de passageiros, o que afetaria com ruído excessivo de aproximadamente 350 mil pessoas, coação da Vinci, socialmente inaceitável à luz do direito europeu e do bom senso.

É preciso reformatar o esgotado modelo de meter mais voos na cidade. A solução da concessionária não atende os critérios de saúde e bem-estar do século XXI. A inconsciência ambiental da fuga Vinci à obrigação de Avaliação Ambiental Estratégica do conjunto Portela + Montijo, terá consequências para Portugal, não para a Vinci.

Na Europa, o limite operacional citadino de razoável convivência com a envolvente habitada é o aeroporto Milão-Linate que faz 110 mil movimentos em pista com 1500m livres de habitações em ambos os topos. O número de pessoas afetadas pelo ruído ronda 35 mil devido à vantagem da trajetória da pista não atravessar a cidade.

Com a solução da concessionária, Lisboa teria um número de voos três vezes acima do limite e seriam afetadas pelo ruído dez vezes mais pessoas (350 mil) que em Milão. Para desviar as atenções desta calamidade, VINCI avançou primeiro com Montijo (≈20% do tráfego) na tentativa de consumar a solução sem apresentar a indispensável Avaliação Ambiental Estratégica incluindo Portela.

Uma infraestrutura de relevante interesse nacional deve ser pensada a longo-prazo. Dos nossos concorrentes diretos, o aeroporto de Barcelona há dois anos afetou 400 pessoas na isófona Lden60 DB, o de Madrid afetou 7100 pessoas enquanto em Lisboa foram 143 mil.

Num futuro que se quer mais saudável, só terão lugar as ligações aéreas para distâncias superiores a +/- 500km, no apoio à Air France essa será uma das condições. E os voos noturnos deverão ser limitados, outra condição no apoio à KLM. No caso de Portugal-TAP isto significaria eliminar as ligações aéreas Lisboa-Porto e Lisboa-Faro (restringidas a comboio) e acabar com os voos noturnos em Lisboa.

PORTELA só terá lugar no futuro se pista tiver 1.500m livre de habitações (melhoria safety e ruído) e na isófona Lden60 se fizer a insonorização na totalidade. O máximo de movimentos Lisboa deverá rondar 2/3 de Milão-Linate (horário 7h/23h).

Com a Portela atrás descrita, 80% do tráfego terá de ser desviado para outra plataforma com duas pistas (uma até 4200m) / área de pátio-aeronaves ≥ 1.500.000m2, próxima da cidade q.b. As ligações ferroviárias da plataforma deverão abranger toda a área metropolitana e nela deverão também passar as futuras ligações AV (Alta Velocidade) de Lisboa a Porto, Faro e Madrid de modo a viabilizar conexão com um só bilhete combinado aéreo-AV.

É nos momentos difíceis que o discernimento é mais importante. O que é mesmo essencial para o país é o aeroporto. Deve ser dada a mão à TAP, mas a ajuda só dará vida longa se ao mesmo tempo existir infraestrutura aeroportuária com condições operacionais ao nível da concorrência. Deve ser dada a mão mas na condição da TAP desviar o longo curso da cidade.

Engenheiro