A região de Lisboa e Vale do Tejo mantém-se como o principal foco de preocupação em relação à covid-19 e foi ontem o tema central da reunião técnica no Infarmed. Sem recomendar medidas concretas, os especialistas traçaram o ponto de situação: se por um lado os casos aumentaram nas últimas semanas, em particular nos concelhos de Loures, Sintra, Amadora, Lisboa e Odivelas, por outro não tem havido um aumento muito significativo do internamento nos hospitais, o que tem sido ligado a mais casos em pessoas jovens. Também não parece haver uma aceleração da transmissão da doença, com o R0 nacional a manter-se em torno de 1, ligeiramente acima na região Centro e em Lisboa e Vale do Tejo.
À saída da reunião, houve leituras diferentes da parte do Presidente da República e da oposição e questionados sobre se faz sentido algum tipo de restrições às deslocações em Lisboa e para fora de Lisboa nesta semana de feriados, tanto Marcelo Rebelo de Sousa como os partidos remeteram as decisões para o Governo, que avalia hoje a situação em Conselho de Ministros. Ainda antes de decidir medidas novas, o Governo decide se os centros comerciais que se mantiveram fechados nos distritos de Setúbal e Lisboa podem reabrir, o que na semana passada o primeiro-ministro indicou que, a confirmar-se a evolução da situação na região, poderia acontecer na próxima segunda-feira.
Segundo o i apurou, da reunião não saíram recomendações específicas ao Governo sobre essa matéria, mas tudo apontou nesse sentido. Ficou no entanto patente que são precisos mais dados e investigação epidemiológica para perceber a situação da região.
Marcelo Rebelo de Sousa apontou três causas possíveis para o aumento de casos nas últimas semanas: por um lado, a epidemia em Lisboa ter sido desfasada no tempo em relação ao Norte e Centro, o que significa que a região está agora num planalto enquanto as outras estão já numa fase descendente de casos. Marcelo Rebelo de Sousa referiu mesmo uma perceção “injusta” de que esteja a haver um agravamento da situação em Lisboa e Vale do Tejo, quando nenhum concelho do município está entre os dez que registaram maior incidência da doença desde o início da epidemia. “Já esquecemos o que houve no Norte e no Centro de forma acentuada em fases anteriores”, salientou. Apesar de ser assim desde o início da epidemia, com Ovar a manter-se como o concelho com mais casos por 10 mil habitantes, nas últimas semanas tem havido um aumento da incidência sobretudo na área metropolitana de Lisboa.
Se o chefe de Estado disse não ter saído mais preocupado da reunião, PSD e CDS vincaram a apreensão. Ricardo Baptista Leite sublinhou que Lisboa tem registado mais novos casos que Roma, Bruxelas ou Amesterdão e que se verificou também um aumento de óbitos e internamentos, ainda que a tendência a nível nacional aponte para uma redução progressiva das hospitalizações por covid-19. “Há que fazer menos conferências de imprensa e mais trabalho de saúde pública se quisermos conter a pandemia”, disse o deputado do PSD.
O SOL já tinha noticiado que na semana passada houve um aumento dos internamentos no Amadora-Sintra, onde duplicou o número de doentes internados, ainda que noutros hospitais da região a tendência seja de alguma estabilização e até melhoria. Ontem, no Amadora- Sintra havia 70 doentes internados, menos sete que na passada sexta-feira, seis dos quais em cuidados intensivos, mas ainda mais do que os cerca de 30 que estavam internados há duas semanas.
O i sabe que no Curry Cabral, onde ontem estavam internados 73 doentes, foram feitos preparativos para abrir mais uma enfermaria para casos covid-19.
O Presidente apontou ainda a necessidade de perceber o peso dos casos que têm sido detetados no construção civil e trabalho temporário, setores que nunca pararam atividade, salientou, considerando que para já não há evidência de que o aumento de casos na região de Lisboa esteja associado ao desconfinamento, que na região norte tem apresentado índices superiores aos dos que se têm registado no sul. “Tudo me leva a entender que se os portugueses continuarem no nível responsabilidade que genericamente têm demonstrado, a evolução vai ser positiva. Isso é bom para o país e para cada um dos portugueses. Portugal não é uma realidade abstrata. Se me pergunta, estou mais preocupado, não estou. Espero que os números confirmem nas próximas semanas uma evolução positiva em todo o país”, disse Marcelo.
Se do PSD e CDS ficou patente a preocupação com o que se passa no terreno e as mensagens “contraditórias” nos eventos que são ou não permitidos, mas também a defesa de medidas específicas para prevenir o risco de contágio de quem entra no país, BE e PCP defenderam mais respostas do ponto de vista socioeconómico, salientando que os dados mostram que os contágios têm acontecido em contexto laboral e de coabitação.
Ambos os partidos defenderam mais respostas na área da habitação, segurança no emprego e rendimentos, partilhando a perceção de que muitos dos novos casos têm surgido em grupos mais vulneráveis. Ainda assim, também o BE defendeu a necessidade de dados que permitam perceber em que grupos socioeconómicos se inserem os novos casos e que permitam confirmar essa perceção, assim como se a transmissão está a ocorrer por exemplo em transportes lotados, sejam públicos ou privados.
Um dos dados apresentados na reunião prendia-se com o total de surtos ativos no país à data de ontem: eram no total 47, dos quais 11 em lares, 23 empresas, cinco em hosteis, um num serviço de saúde, três em obras de construção civil e um numa escola. No briefing diário da Direção Geral da Saúde, o secretário de Estado da Saúde defendeu cautela na análise dos dados desta segunda-feira: o número de casos confirmados diminuiu, mas Lacerda Sales lembrou que é habitual ao fim de semana haver menos notificações, apelando mais uma vez à responsabilidade individual. “Temos sabido vencer coletivamente os nossos medos, não nos vamos deixar derrotar pelo excesso de confiança”, disse.
Para Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, a situação na região de Lisboa e Vale do Tejo pede cautela, para mais tendo em conta que esta será uma semana atípica em que os feriados podem levar a algum atraso nas notificações. “Perante o número de casos que não estão a baixar tanto como gostaríamos, não podemos baixar a guarda”, defende. “Sabemos que há casos ligados a contextos ocupacionais e habitacionais, mas também há casos de transmissão comunitária. Sabemos que os casos têm sido mais em jovens, mas não está excluído o risco de se transmitir a doença a pessoas mais vulneráveis.”
Mesmo que não sejam impostas restrições à deslocação, Ricardo Mexia defende a importância de quem tiver sintomas se abster de fazer viagens e de não desvalorizar os cuidados. “A doença não desapareceu. Esperamos que a situação evolua positivamente, mas temos todos de fazer por isso”.