Trump desmascarado


O promotor do mote “bring back our troops” passou a defender o emprego de militares contra civis americanos. Huge!


Eleito contra o “sistema”, para combater os interesses e os lobbies que oprimiam os “white collar americans”, auto-proclamado defensor da “Main Street” contra “Wall Street”, paladino dos direitos dos Estados federados contra o centralismo de Washington, “the Donald” somou esta semana mais uma contradição. Suprema ironia, o Presidente eleito com os votos marginais em Estados federados que há muito somam conflitos de competências com o Governo federal anunciou a vontade de usar as forças armadas para “combater” protestos feitos por civis, a coberto da necessidade de prevenir actos de vandalismo.

Deste lado da poça atlântica temos tido uma lenta e dura aprendizagem de como construir algo parecido com os Estados Unidos da Europa. Estamos muito longe de uma Federação como a que une os EUA mas podemos aprender muito com a história dos outros “Unidos”. O conflito entre os Estados e o Governo Federal é permanente e serve para todas as lutas políticas. A regra, vertida para o “Posse Comitatus Act” de 1878 é a da proibição do uso da força armada (que não a Guarda Nacional) pelo poder federal nos Estados federados. Tradicionalmente o poder de Washington serviu para impor a alguns Estados recalcitrantes uma agenda política progressista (defesa da legislação federal em matéria de igualdade racial desde os anos 40 do século passado mas também o combate, logo em 1871, contra a primeira “dinastia” do Ku Klux Klan). O “Insurrection Act” de 1807 foi invocado por vários Presidentes, a pedido das autoridades dos Estados federados, para resolver conflitos eleitorais (múltiplos auto-proclamados vencedores de eleições para Governador), para esmagar lutas sindicais, para prevenir pilhagens depois de catástrofes naturais ou durante motins raciais, ou mais longinquamente, para combater tribos índias “hostis”.

O amor às armas, legitimado pelo texto da Constituição americana, e a tradição da constituição de milícias armadas (desde logo para lutar contra a Inglaterra, a potência colonial) geram facilmente pontos de tensão entre o poder local e o poder central. No plano das forças armadas o equilíbrio foi encontrado em torno da Guarda Nacional de cada Estado, um misto de reservistas e de militares a tempo inteiro, que pode ser mobilizada pelo poderes estaduais e também pelo Governo federal.

A Constituição americana atribui ao poder federal uma presunção de supremacia (“supreme law of the country”) mas o Supreme Court é particularmente atento na vigilância das prerrogativas dos Estados, não obstante a sucessão de circunstâncias históricas que reforçou o poder de Washington: Grande Depressão, New Deal, II Guerra Mundial, Guerra Fria… Na actual composição do Supreme Court, com uma maioria conservadora nomeada por Trump, será pouco provável que um futuro conflito entre Federados e Federação seja decidido a favor da segunda.

A bombástica declaração de Trump a favor do emprego de forças armadas (“active duty troops” e não só a Guarda Nacional), ao abrigo do “Insurrection Act” de 1807, contra os manifestantes pró-Floyd colocou em estado de algidez a liderança política e militar. A começar pelo ainda secretário da Defesa que em declarações públicas contrariou a vontade presidencial. O predecessor, General Mattis, veio a terreiro acusar Trump de ser o primeiro Presidente que divide os americanos. Foi com esta estratégia que Trump chegou à Casa Branca. Manter-se por lá obriga a não dividir a própria base de apoio, a começar pelos defensores dos “States’ rights”.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990