“Onde estiver o teu coração aí estará a tua felicidade.” Abusando e deturpando esta máxima, prometeram-nos uma vida cheia de oportunidades, qual cardápio dos desejos, onde o nosso coração poderia escolher qualquer um. Uma vida de sucesso com contas no banco, viagens, carros, casas, computadores, telemóveis e muito mais. Todos nos tornámos verdadeiros doutores e gente de sucesso e quem o não quis ser, terá sido por falta de sentido de oportunidade, por clarividência ou pela influência do meio humilde onde cresceu. O dinheiro fácil esteve ao alcance de qualquer um.
Habitámo-nos a ouvir falar da importância de ter um curso superior para alcançar um bom emprego e rapidamente invadiram as nossas casas para nos oferecer cartões dourados, empréstimos e mil produtos pagos em suaves prestações. Mandaram-nos consumir invocando ideias de justiça e igualdade. Igual ao vizinho, igual ao colega ou igual ao amigo. Tenho logo sou.
Passámos a ser avaliados não pelo que fazemos no trabalho, mas fora dele. Rapidamente nos vimos envolvidos no tal futuro promissor que finalmente fazia justiça às batalhas do passado. Acreditámos. Aceitámos receber dinheiro para não produzir e enterrámos em terras alheias a arte e o conhecimento de saber operar com as próprias mãos. Venderam-nos sonhos, mas esqueceram-se de nos ensinar a sonhar. Perversos. Sugiro – não lutem pelos vossos sonhos! Os sonhos que tanto desejam concretizar nada mais são que fruto do egoísmo que reduz o sentido da vida à vossa medida, à luz da hipocrisia e da ilusão que vos foi imposta. A liberdade está muito além do fazer cumprir a nossa vontade. O sonho, que é libertador, está na construção do próprio ato de sonhar. Por me sentir feliz ao imaginar-me pessoa de posses não significa que seja feliz quando possuir. Em vez disso porque não fazer parte do Sonho maior? O sonho do projeto original.
Aconteceu connosco, com a Europa e com o mundo. Lembra-me a história de uma jovem camponesa, que acabara de tirar o leite das vacas, e que voltava do campo com um balde, quase a transbordar, à cabeça. Enquanto caminhava feliz da vida, na sua cabeça os pensamentos e as ideias não paravam. E consigo mesma, alheia a tudo, planeava os afazeres e os projetos que imaginava como certos para os dias vindouros. “Este bom e rico leite…” pensava a camponesa, “dar-me-á um formidável creme para manteiga. Vou vender a manteiga no mercado, e com o dinheiro comprarei uma porção de ovos para chocar. E como serão graciosos todos os pintainhos ao nascerem. Até já posso vê-los a correr pelo terreiro. Depois, vou vendê-los, e com o dinheiro comprarei um adorável e belo vestido novo. Com ele, quando regressar ao mercado, decerto serei o centro das atenções. Todos os rapazes olharão para mim. Então, hei de arranjar noivo e serei muito feliz no casamento”. Enquanto sonhava como seria a sua nova vida a partir daqueles desejados acontecimentos, desdenhosamente olhou para trás, e sem querer deixou cair no chão o balde com o leite. Todo o leite foi derramado e rapidamente absorvido pela terra, e com ele, desfizeram-se a manteiga, os ovos, os pintainhos, o vestido novo, assim como todo o orgulho cuja ilusão a rapariga transformara já em realidade.
Professor e investigador