A vontade é muita, mas os dados epidemiológicos continuam a aconselhar prudência na região de Lisboa e Vale do Tejo. Esta quinta-feira, o Governo reavalia a situação, depois de na semana passada ter decidido suspender a reabertura de centros comerciais e lojas do cidadão nos distritos de Lisboa e de Setúbal pelo menos até ao final da semana. Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, é perentório: “A situação piorou, não melhorou. Mesmo os casos identificados em rastreios são infetados por alguém. Existem casos, os casos estão a aumentar e isso implica sermos mais assertivos na resposta. Se há uma semana se decidiu adiar a abertura dos centros comerciais para ver a evolução, perante uma evolução negativa julgo que não há muita discussão sobre qual deve ser a opção.”
No Parlamento, o primeiro-ministro sublinhou que os focos estão controlados, deixando a expectativa de que as restrições poderão ser levantadas em breve. Os dados disponíveis nos boletins da DGS não permitem uma análise detalhada nem perceber o peso dos surtos nos novos casos. Mostram que nos últimos cinco dias a região de Lisboa registou uma média de 237 novos casos por dia, quando nos mesmos dias da semana passada a média foi de 189 casos.
A DGS explicou já que a situação em Lisboa e Vale do Tejo é multivariada, com surtos localizados em empresas, obras, contágio em contexto familiar entre pessoas que vivem na mesma casa mas continua a existir transmissão comunitária, ou seja, casos em que não é possível estabelecer as cadeias de contágio.
Ao mesmo tempo, no fim de semana começou um plano de testes em massa a trabalhadores do setores onde foram detetados mais casos: construção civil, distribuição e empresas de limpeza. Até ontem, tinham sido concluídas 1019 análises, revelou o secretário de Estado da Saúde, havendo o objetivo de testar 18 mil trabalhadores. Nesta primeira amostra, foram detetados 59 casos positivos, uma positividade de 5,6%. Estes casos representam apenas 11% dos 493 novos casos de covid-19 confirmados nos últimos dois dias na região de Lisboa.
O i tentou perceber junto do Ministério da Saúde em que contextos têm sido detetados mais casos e se há um aumento de casos de transmissão comunitária e, em caso afirmativo, em que concelhos, mas não teve resposta. De acordo com os boletins, Sintra mantém-se como o concelho onde têm vindo a ser detetados mais novos casos, tendo registado cerca de 40 novos diagnósticos diários nos últimos dias – durante quatro dias a informação não foi disponibilizada, e a divulgação em conjunto motivou críticas do presidente da Câmara, Basílio Horta. A diretora-geral da Saúde disse ontem que os dados só esta semana foram reportados à DGS, não justificando o porquê, mas confirmou que Sintra é o concelho onde se tem verificado nos últimos dias maior incidência da infeção. Ontem, o concelho chegou aos 1400 casos, passando o Porto, que desde o início da epidemia registou 1361 casos de covid-19. É agora o terceiro concelho do país com mais casos, atrás de Lisboa e Vila Nova de Gaia. Lisboa, Loures, Odivelas e Amadora continuam a registar também o maior número de novos casos, na casa dos 20 a 30 novos diagnósticos por dia. Se Sintra e Loures passaram a barreira dos mil casos confirmados na última semana, é agora a Amadora que se aproxima dessa marca, com 915 casos confirmados até esta quarta-feira. Quando começou o desconfinamento, e tirando o município de Lisboa, apenas os concelhos mais afetados da área metropolitana do Porto tinham passado a barreira dos mil casos confirmados de covid-19.
Ricardo Mexia diz que não dispõe de mais dados além dos que constam dos boletins da DGS, embora a associação defenda há várias semanas a disponibilização de mais indicadores, mas a tendência não tem sido de melhoria. “Espero que as palavras do primeiro-ministro não fossem vãs: disse que, se a situação epidemiológica justificasse regredir, não hesitaria em fazê-lo. Tem dados que provavelmente não temos, mas face a este aumento de casos em Lisboa temos de ser cautelosos”, defende Ricardo Mexia, lamentando também que não tenha havido reforço das equipas de saúde pública. O facto de muitos dos novos casos na região estarem a ser detetados em jovens saudáveis, numa altura em que o número de internamentos continua a baixar, não é motivo para baixar a guarda, defende. Se conseguíssemos isolar os grupos de risco do resto da população, no limite, não era preciso ter havido suspensão das atividades. A dificuldade é que não conseguimos fazer isso. Daí que seja arriscado. Mesmo que a circulação do vírus seja à custa dos mais novos, isso não invalida que depois haja repercussão nos grupos de maior risco”.