Depois de um compasso de espera de várias semanas, foi finalmente publicada a Lei 16/2020, de 29 de Maio, que determina a reabertura dos tribunais, a qual vai ocorrer amanhã. Infelizmente, no entanto, essa reabertura vai ser feita sem que estejam asseguradas as condições de segurança para todos os que se deslocam aos tribunais, dado que o Ministério da Justiça, numa opção extremamente questionável, optou por fornecer apenas equipamentos de protecção aos magistrados e funcionários. Ficam assim excluídos os advogados, apesar de os mesmos fazerem igualmente parte do tribunal, e as testemunhas convocadas, sabendo-se que a sua comparência é obrigatória, sob pena de multa.
Em relação a estes, a actual equipa do Ministério da Justiça, em vez de fornecer gratuitamente os equipamentos de segurança, optou por obrigar as pessoas a adquiri-los, chegando ao ponto de colocar máquinas de venda de máscaras nos tribunais ao preço exageradíssimo de um euro cada. O Ministério da Justiça cria assim uma situação absolutamente intolerável em termos de Direito do Consumidor, que é obrigar alguém, que é convocado por um órgão de soberania, e que tem por isso que se deslocar ao tribunal, seja obrigado a adquirir uma máscara, que lhe é vendida no próprio tribunal a preços absolutamente exorbitantes.
Isto só demonstra que a actual equipa do Ministério da Justiça tem dois pesos e duas medidas, preocupando-se apenas com os magistrados, cujos vencimentos aumentou consideravelmente nos últimos tempos, e que, apesar disso, ainda vão beneficiar de equipamentos de protecção fornecidos gratuitamente pelo Estado. Pelo contrário, em relação aos advogados, nem sequer actualizou a tabela de honorários no acesso ao direito, que não é actualizada desde 2004, em claro incumprimento da Lei 40/2018, de 8 de Agosto, que determina a sua actualização anual. E, apesar de manter essa tabela de honorários totalmente desactualizada, ainda acha que não tem obrigação de proteger a saúde dos advogados a quem paga tão pouco. A este propósito, a Senhora Ministra da Justiça diz que os advogados devem debitar os equipamentos de protecção aos clientes, quando no sistema de acesso ao direito, o seu cliente é precisamente o Estado. E o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça diz nas redes sociais que o Ministério da Justiça só distribui gratuitamente máscaras àqueles a quem tem obrigação de o fazer, e que o Ministério da Justiça não explora as máquinas de venda, pelo que não tem qualquer lucro com a venda das máscaras.
Relativamente às obrigações do Ministério da Justiça para com as testemunhas que os tribunais convocam, convém recordar ao Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça o disposto no art. 525º do actual Código de Processo Civil que refere que “a testemunha que haja sido notificada para comparecer, resida ou não na sede do tribunal e tenha ou não prestado o depoimento, pode requerer, até ao encerramento da audiência, o pagamento das despesas de deslocação e a fixação de uma indemnização equitativa”. É por isso manifesto que o Ministério da Justiça tem o dever de indemnizar as testemunhas pelo facto de terem sido obrigadas a adquirir máscaras, assim como os advogados que se deslocam ao tribunal pelo menos no âmbito do sistema de acesso ao direito. Esta venda de máscaras a um euro nos tribunais é capaz de custar assim muito mais caro ao Ministério da Justiça do que se as fornecesse gratuitamente, como é manifestamente o seu dever.
Referindo-se à minha posição, diz o Senhor Secretário de Estado da Justiça o seguinte: “Há demasiada pessoas a exigir tudo ao país. E a falar muito pouco – ou mesmo nada – dos contributos que têm para dar à comunidade”. Quanto aos contributos que tenho para dar à comunidade, já o faço exercendo as minhas funções de Bastonário gratuitamente. E o que eu exijo ao meu país, neste caso ao Ministério da Justiça, é apenas que não faça discriminações injustificadas e que cumpra a lei. Talvez o Senhor Secretário de Estado possa assim explicar a razão por que o Ministério da Justiça continua sem cumprir a Lei 40/2018, de 8 de Agosto.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990