Bruno de Carvalho declarou esta quinta-feira, após a absolvição da autoria moral do ataque à academia do Sporting, em Alcochete, ter saído de um “confinamento de dois anos”. O ex-presidente do Sporting foi também absolvido de todos os 97 crimes de terrorismo de que estava indiciado – 40 de ameaça agravada, 38 de sequestro e 19 de ofensa à integridade física. Após a leitura do acórdão no Tribunal de Monsanto, em Lisboa, o coletivo de juízes, presidido por Sílvia Pires, considerou que não existiram factos provados contra Bruno de Carvalho, que, à saída do tribunal, admitiu ter sido alvo de um “assassinato de caráter”.
À semelhança do que aconteceu com o ex-presidente leonino, também Nuno Mendes, mais conhecido por Mustafá, e Bruno Jacinto, ex-funcionário do clube e antigo oficial de ligação aos adeptos sportinguistas, foram ilibados de todas as acusações. “A prova faz-se em julgamento, não no café, nos comentários ou nos jornais. É no julgamento e com regras. As pessoas não são condenadas e absolvidas só porque parece. Fazemos a prova em julgamento. Não se fez qualquer prova que o arguido Bruno de Carvalho tenha feito, o mesmo raciocínio para Nuno Mendes. Quanto a Bruno Jacinto, também não se fez prova que tenha instigado”, concluiu a juíza.
Mas estas decisões judiciais não são, de todo, surpreendentes, pelo menos no que toca ao ramo da advocacia. Ao i, o advogado Ricardo Candeias admitiu que a decisão do coletivo de juízes “não é de estranhar” e explicou que “na grande maioria dos processos-crime os arguidos são absolvidos”.
“Há números sobre isso. Em cerca de 76, 78 ou 80% dos julgamentos há a absolvição do arguido. Em termos de probabilidade, o que aconteceu até era o mais provável. Mas como é uma figura mediática, o Ministério Público (MP) deve ter particular cuidado em perceber se a prova é suficientemente forte ou não. Ou então pode ter sido surpreendido pela prova que foi apresentada pela defesa e que não conhecia. Terá acontecido isso”, adiantou, explicando o que tem de ser feito nestes casos e como todo o processo é desenvolvido.
“O tribunal só condena se a prova produzida em sede de julgamento concluir nesse sentido. O MP profere a acusação e junta a prova que é adequada para demonstrar aquilo que é a acusação. E depois, em sede de julgamento, o Bruno de Carvalho teve a oportunidade de apresentar a sua defesa, a sua prova e as suas testemunhas. E depois temos um juiz que aprecia aquilo que lhe aparece à frente, as declarações que são prestadas e a documentação. Condena só se estiver realmente convencido de que houve a prática daquelas infrações. Se não estiver convencido, se achar que há dúvidas, absolve, por causa do princípio in dubio pro reo. Não conheço em pormenor o processo do Bruno de Carvalho, mas o que aconteceu em sede de julgamento foi isso. Não houve provas suficientemente fortes ou credíveis, acima da dúvida razoável, que permitissem condená-lo”, sublinhou Ricardo Candeias.
Nesse sentido, depois de conhecer a sentença, Bruno de Carvalho, cujas publicações polémicas e frequentes nas redes sociais não serviram como qualquer prova que motivasse à invasão, fez questão de dizer mesmo que os sportinguistas deveriam ter acreditado nele desde o primeiro minuto. “Isto que me foi feito é um crime. Não é um alívio, é a assunção de uma coisa que eu já sabia há dois anos. Sempre fui inocente e os sportinguistas deviam ter confiado. Coloquei o Sporting muitas vezes à frente de tudo. Mas na minha vida não muda nada a partir de hoje. Não me arrependo de nada, mas ninguém merece passar pelo que eu passei. Isto que me aconteceu pode acontecer a todos”, atirou o ex-presidente do Sporting. Agora, o seu sonho é só um: “Abraçar a minha família”, concluiu.
Pedido de indemnização
Os arguidos que são ilibados têm a possibilidade de avançar com um pedido de indemnização ao Estado. E foi isso que, à saída do Tribunal de Monsanto, Mustafá deu a entender que pretende fazer num futuro próximo. No entanto, o advogado Ricardo Candeias ressalvou ao i que esta solicitação não é fácil de fazer e que se trata de um “tema controverso”.
“Tem de haver uma série de requisitos a ser preenchidos para que haja uma responsabilidade civil do Estado. Não haverá do juiz, seguramente, porque o juiz sabe que isso pode ser ponderado. Se for uma prova que depois demonstre que não tinha o mínimo de credibilidade – ou com indícios que, na verdade, não eram indícios –, pode ter fundamento para pedir indemnização ao Estado. Agora se existiam dúvidas na altura em que a acusação foi proferida – ou se havia indícios que apontavam nesse sentido – e se o MP alicerçou a acusação nesses indícios e nessa prova, aí já não vai conseguir obter a indemnização ao Estado, mesmo que até demonstre que não teve qualquer responsabilidade naquilo que aconteceu”, esclareceu.
Esta quinta-feira, o líder da claque Juventude Leonina admitiu que vai “tratar disso” com o advogado, mas que neste momento não está preocupado. “Quero é seguir em frente. Desde o início que estava à espera de ser absolvido. É um alívio, não havia necessidade de passar por isto”, reconheceu.
cinco anos de pena efetiva Fernando Mendes, antigo líder da Juventude Leonina, e Elton Camará, membro da claque – mais conhecido por Aleluia –, não seguiram o mesmo rumo de Bruno de Carvalho e foram condenados a cinco anos de pena efetiva, assim como outros sete dos 44 arguidos do processo, por terem antecedentes criminais, nomeadamente Getúlio Fernandes, Domingos Monteiro, Bruno Monteiro, Leandro Almeida, Tiago Neves, Pavlo Antochuk e Nuno Torres – condutor do carro BMW azul que entrou na academia pouco depois do ataque. No total, 28 arguidos foram ainda condenados a penas suspensas durante cinco anos – variam entre três anos e seis meses e quatro anos e dez meses –, e quatro a penas de multa.
Além disso, o tribunal confirmou que o arguido Rúben Marques, com pena suspensa de quatro anos e dez meses e ainda 200 horas de trabalho comunitário por ofensa à integridade física, partiu para a agressão e consumou-a diante dos futebolistas Misic, Bas Dost – agredido violentamente com um cinto – e do então treinador Jorge Jesus.
A 15 de maio de 2018 vários adeptos de cara tapada invadiram o treino do Sporting para agredir e insultar jogadores da equipa principal. No momento do incidente, tanto os jogadores do Sporting como Jorge Jesus encontravam-se na academia, para prepararem a final da Taça de Portugal com o Desportivo das Aves que o Sporting acabou por perder, por 2-1.