Esquecer os problemas ao som de Nídia

Esquecer os problemas ao som de Nídia


O regresso a Portugal suscitou inesperadas emoções a Nídia e levou-a a criar o seu segundo álbum: Não Fales Nela Que A Mentes, com selo da Príncipe Discos.


A pandemia tem gerado uma avalanche de problemas no setor cultural em todo o mundo. Na música, pelo menos em Portugal, até setembro todos os concertos estão cancelados, o que gerou perdas incalculáveis não só a músicos, como também a técnicos de palco, produtores e organizadores.

Contudo, neste momento, o que ocupa a mente de Nídia não são os concertos cancelados, nem o lançamento do seu mais recente disco, Não Fales Nela Que a Mentes. A produtora com origens guineenses está prestes a entrar na época de exames na sua faculdade, onde estuda Comércio e Negócios Internacionais.

Ainda assim, quando nos atende o telefone, não está a dedicar-se aos estudos, mas sim aos beats – e não há nenhum problema em fazer uma pausa.

A humildade e tranquilidade que a sua voz transparece são tais que Nem parece que o seu mais recente álbum, ou o anterior, com o inconfundível título Nídia É Má, Nídia É Fudida, mereceram críticas extremamente positivas em referências internacionais como The Guardian, Pitchfork, The Quietus, Tiny Mix Tapes ou The Wire, o que lhe valeu atuações em sítios como Los Angeles, São Paulo, Ilha da Reunião, Berlim, Viena ou Londres.

Mas quem é a Nídia e porque é que está fudida?

Antes de se tornar numa das portas bandeiras de um novo e infeccioso som que está a emergir de Portugal, Nídia Sukulbembe era apenas uma miúda simples que cresceu no Vale da Amoreira, concelho da Moita, com uma grande paixão pela música. 

A sua primeira experiência foi num grupo de dança que tinha criado no ensino básico com as suas amigas, “não era nada a sério”, explica, “era só pelo prazer da dança e para fazermos uma atuação no final do ano letivo”.

As coisas começaram a tornar-se mais sérias quando chegou ao quinto ano e, face à popularidade e emergência de vários grupos de kuduro com os Buraka Som Sistema a liderar o movimento, e o grupo de amigas começaram a cantar, dançar e a fazer sons inspirados nesta batida.

Tudo mudaria para Nídia quando, no seu sétimo ano, foi viver para Bordéus, França, e teve que deixar tudo o que lhe era familiar para trás. “Comecei a viver uma vida muito isolada”, confessa, “fazer música passou a ser o meu passatempo. Já fazia algumas produções, mas nunca tinha mostrado a ninguém. Hoje estou onde estou graças a esse isolamento”.

A recatada produtora, através da ferramenta de áudio digital Fruity Loops, começou por produzir faixa atrás de faixa e a publicá-las na sua conta de Soundcloud até que um dia surgiu um convite inesperado. DJ Marfox, uma das figuras da eletrónica com influências de ritmos africanos em Portugal, entrou em contacto com a artista para elogiar o seu trabalho e terá dito que um dia teria “uma surpresa” para ela, recorda Nídia.

“Seis meses depois, a Príncipe Discos contactou-me através do Marfox, que estava a ver-me de longe, e convidou-me a trabalhar com eles”. A editora baseada em Lisboa tem sido uma das principais plataformas para lançar artistas afrodescendentes da zona de Lisboa, como DJ Lycox, Niangara, Puto Tito, DJ Nigga Fox, DJ Firmeza, que muito se tem destacado internacionalmente.

O primeiro trabalho de Nídia nesta label viria a ser o EP Danger, ainda com a designação de Nídia Minaj, uma referência a Nicki Minaj, como explicou ao jornal Público, em 2017. Mas foi com o seu primeiro álbum de longa duração, Nídia é Má, Nídia é Fudida, em 2017, que realmente abalou o mundo da música. 

A Rolling Stone, que colocou este disco no sexto lugar dos melhores discos de eletrónica de 2017, fez-lhe um elogio rasgado: a “habilidade para fraturar estilos de dança globais e transformá-los em postais brilhantes é o seu dom único no mundo”. 

A Pitchfork elogiou o seu álbum pela “complexidade que fazia a cabeça girar” e o The Quietus duvida que alguém tenha lançado, em 2017, um “álbum de club mais contagiante que o seu”. 

Com tanta atenção em redor do seu trabalho, os seus fãs estariam a salivar por nova música. Terá isto colocado pressão em cima de Nídia?

“O sucesso foi inesperado, mas eu não penso no sucesso”, explica. “Quando faço um álbum não o faço a pensar que vai ser um álbum. Faço sons e depois a Príncipe seleciona aqueles que acham que são bombas e compilam num disco”.

Mas esta bomba não pretendia explodir da mesma forma que a anterior.

Uma bomba de emoções

Acho que é um projeto totalmente novo e diferente. Se fores ouvir o álbum não tem nada a ver com aquilo que Nídia É Má Nídia É Fudida tem”, descreve. Este novo disco apanha Nídia numa nova fase da sua vida: o regresso a Portugal.

“As faixas mais melancólicas foram feitas quando regressei a Portugal, por exemplo a Capacidades e a Emotions”, diz. “Muitos destes sentimentos se deveram ao reencontro com as minhas amigas, aquela cena feliz e foi isso que tentei transmitir na música”.

Contudo, este “mar de rosas”, como a produtora de 23 anos se lhe refere, não durou muito tempo. “Pensei mais numa de jovem”, confessa, “quando estava a sair de França só conseguia pensar nos meus amigos, não pensava como é que o país estava, a economia, quais as dificuldades que poderia vir a ter. Pensava que ia ser um mar de rosas… foi isso que senti no início, entretanto as coisas complicaram. Este não é bem o país que eu imaginava. Pensava que ia ser muito bom e estou um bocado desiludida com isso.”

Nídia fala-nos sobre a mentalidade dos portugueses – “julgam muito” – e sobre os “complexos sexistas da sociedade”. Talvez seja por isto que no álbum “alcançámos uma postura mais reflexiva”, escreve Vítor Belanciano do Público. “Onde havia explosão, batucada e expressões essencialmente físicas, com sobreposições rítmicas, inorgânicas, mas naturais, a ditar o movimento corporal, há agora um conjunto de sons mais emocionais”, explica André Forte do Rimas e Batidas (em Portugal também se está atento a Nídia).

São músicas mais calmas, “o álbum anterior é mais música de discoteca. Este também tem, mas tem músicas para ouvires sozinho em casa”, explica a produtora.

Não foi só a sociedade portuguesa que a desiludiu. Quando lhe perguntamos se já foi mais desrespeitada durante um concerto, recorda uma passagem por Londres. “Por mais incrível que pareça, até foi um preto”, recorda. “Por aí tu vês que por vezes o complexo vem de nós mesmos, do povo negro. Não podemos pensar que somos inferiores ou superiores a outras pessoas, quando pensamos que somos inferiores a outras pessoas não podemos mudar mentes”.

Perguntamos a Nídia como é que tentou transformar esta desilusão em ritmos de kizomba, tarraxo ou kuduro do seu novo álbum, lançado ao mundo no dia 22 de maio, Não Fales Nela Que a Mentes. A resposta é simples: não tentou.

“Quando faço música, tento fazer sobre algo que goste. Não vale a pena estar a ser negativa enquanto faço um som, acho que é perda de tempo, isso seria dar demasiada importância a pessoas que não têm importância”, admite. “Até pode ser maneira de denunciar alguma coisa, mas a minha cabeça ainda não está nesse patamar de denunciar algo com a minha música”.

Confessamos-lhe que o que acabou de nos dizer faz-nos lembrar as gravuras da Dança da Morte, com pessoas a dançar em torno dos seus problemas. Nídia ri-se e nós achamos essa imagem lindíssima.