Vamos por partes. A indústria de animação noturna e de entretenimento foi a primeira a encerrar portas e a suspender a sua atividade (e bem), mostrando um lado responsável e humano. Da mesma forma, é natural que a sua reabertura seja deixada para o fim, na pirâmide das medidas de progressivo regresso à normalidade, porque é feita de contacto, de intimismo, de proximidade e de uma certa dose de loucura que a torna tão especial. Como tal, mais difícil de se respeitar o tal distanciamento social. Isso não quer dizer que ela seja tão importante e querida quando se organizam Web Summits e se quer mostrar um lado mais modernaço e cosmopolita das cidades portuguesas, mas depois possa ser ignorada e esquecida quando entramos numa crise que afetou tudo e todos, mas mais uns do que outros.
Se foi a primeira a fechar e será a última a abrir, têm obrigatoriamente de existir tantas ou mais medidas de apoio a esta área de negócio. Por uma questão de justiça. Quem é obrigado a estar fechado tem de ser ressarcido por isso. Fará então sentido isentar o pagamento à Segurança Social e Finanças durante esse período, até que possam voltar ao exercício do seu negócio em pleno. Assim como é justo que existam apoios que permitam manter os postos de trabalho, mas também uma perceção de que é necessário haver um ajuste de rendas e uma atenção especial para que estes espaços possam ser viáveis quando voltarem a abrir. Recordo os mais desatentos de que estamos a falar de uma indústria que vai muito além dos copos, que inclui artistas e produtores de espetáculos, empresas de som e iluminação, gráficas e muitos milhares de postos de trabalho, para além de contribuir significativamente para a venda de uma coisa chamada álcool, com um imposto altamente lucrativo para o Estado.
A par destas e de outras medidas concretas que possam assegurar a sustentabilidade do negócio, é importante partirmos para um gradual desconfinamento e que se comecem a projetar datas para o efeito, mas também formatos que possam minimizar os riscos. Já por aqui falei de começar por abrir os bares e as discotecas como bares com todas as regras de segurança exigidas ao comércio em geral. Porque sem isso não se conseguirá extinguir a curto prazo o medo de que as festas possam ser um fator de propagação do vírus. Ganhando confiança, certamente chegaremos à normalidade mais rápido do que imaginam.
Falta, no entanto, visão estratégica e atitude a uma área de negócio que parece amorfa e pouco ambiciosa. Visão estratégica para encontrar soluções para os problemas, para construir modelos de funcionamento e descobrir novos caminhos; e atitude porque nem numa situação crítica vejo uma ação concertada dos empresários para que a voz seja mais forte e chegue mais longe. Quando os vejo na televisão com ar enfadado e quase a bocejar, como que conformados com toda esta situação, faz-me lembrar aqueles gatinhos que se olham ao espelho e veem um leão. Era tempo de pararem de olhar para o próprio umbigo e, se calhar, aproveitar para dar um novo passo, com novas ideias e uma forma diferente de representação. Pode passar pela centralização da compra de bebidas como pela capacidade de comunicar muito para além do seu público-alvo, ou através de uma programação concertada que possibilite ao Turismo de Portugal promover a indústria como um todo. Falta brilho e, sobretudo, brio. Isso passa para fora. É tempo de aprenderem que juntos são mais fortes. Não se esqueçam que ninguém vai deixar de beber copos este verão, nem deixar de se divertir. Estes espaços são fundamentais para que esse escape tão importante para uma sociedade assustada e desanimada seja feito com regras e assente em procedimentos. Ninguém quer por aí os seus filhos em festas clandestinas e sítios ilegais sem o mínimo de condições.