Burros e burritos

Burros e burritos


Consta que um certo burro chegou a casa aos pulos de contente. Acabava de ser aplaudido pelas ruas.


Recorremos à expressão “ter os pés bem assentes na terra” quando pretendemos explicar que há a necessidade de se ser consciente e realista em determinados momentos da vida. Sonhamos, projetamos e desejamos sempre mais. É fruto de uma imaturidade evolutiva que acompanha a história de cada um. Chama-se a este fenómeno crescimento.

Consta que um certo burro chegou a casa aos pulos de contente e com um sorriso que ia de orelha a orelha. A razão desta aparente felicidade estava nos aplausos que acabara de receber pelas ruas. O povo aplaudiu-o e lançou-lhe louvores de glória e vitória. Além disso, havia espalhados pelo chão tapetes de flores que o burrito ia pisando enquanto caminhava pela cidade.

Mesmo com alguns fracassos, acabamos sempre por viver momentos de glória, ainda que efémeros. Assim, por vezes, também nós chegámos a nossa casa, ao nosso emprego, à nossa escola ou onde quer que seja felizes com o reconhecimento social e cheios de aplausos. Faz-nos bem ao ego alimentá-lo de forma equilibrada, é um passo significativo para o bem-estar de cada um. Porém, importa reter que o excesso de alimento pode provocar indigestão, obesidade ou outras complicações.

O burrinho da nossa história ficou tão feliz com aquele reconhecimento que decidiu regressar ao palco do sucesso semanas mais tarde. Desta vez, nada de aplausos nem flores no chão, e muito menos palavras de vitória. De repente, parecia que tudo tinha mudado. Ficou triste e voltou para casa, onde se deitou completamente deprimido e solitário, sem perceber o que acabara de acontecer.

Também nós, em vários momentos da vida, passamos por momentos como este. Mas, afinal, que mistério é este que se esconde nesta história? Na verdade, aquela festa era não para o burro, mas para quem ele transportava: um homem que acabara de entrar em Jerusalém com grande euforia de todo o povo. Do mesmo modo se procede connosco. Quantas vezes nos alimentamos dos aplausos que não nos são dirigidos; quantas vezes não percebemos que os aplausos são pelo que representamos, e não pelo que somos. Andar com os pés bem assentes na terra é perceber que também nós, por vezes, somos apenas burrinhos que caminham e transportam algo que nos supera e importa verdadeiramente. Aqui está o segredo de vida consciente.

Professor e investigador