1. O dia 13 de maio passado foi um grande dia para a Igreja, que deu uma lição de civismo, de preocupação humanitária e de respeito pela saúde pública ao autolimitar a presença de peregrinos em Fátima e promover a circulação da imagem para que os católicos pudessem vê-la e saudá-la, sem riscos e com distanciamento social. Foi bonito e, sobretudo, responsável. No mesmo dia, a classe política protagonizou, em contrapartida, uma lamentável sucessão de factos e reações à volta de Mário Centeno e do pagamento de verbas ao Novo Banco que, obviamente, tinham de ser liquidadas, visto que o mal está na origem da venda a pataco. A propósito, é bom lembrar aos estimados contribuintes e depositantes bancários que ainda ficam por pagar à Lone Star mil milhões de euros no ano que vem. O caso Costa-Centeno envolveu tudo o que é mau na política. Oportunismo, falta de sensatez, irresponsabilidade, demagogia e guerra de comunicação sem sentido de Estado. Foi o pior momento dos últimos meses. Num repente, a intriga, a deslealdade e o oportunismo voltaram à ribalta política, até que o bom senso prevaleceu. Há coisas que é melhor fingir que não aconteceram, por mostrarem uma triste imaturidade e irresponsabilidade perante um povo que sofre, que está assustado e que não merece a situação em que está, seja pela covid-19, seja pelas asneiras que tem de pagar às toneladas de milhões. Tudo por causa de decisões de políticos, por incompetência de supervisores e, sobretudo, de certos banqueiros e empresários que continuam a viver na maior, no confinamento dourado das suas mansões, sem qualquer sanção judicial. De toda a história triste da semana passada sobra que está tudo mal quando se finge para a fotografia que acaba bem. O episódio de 13 de maio foi um pouco a demissão irrevogável de Portas, mas num episódio curto e único. Conhecendo-se António Costa, é mais prudente que Centeno não aposte as fichas todas no lugar de governador do Banco de Portugal (BdP). É que há muito quem recorde insistentemente que Luís Máximo dos Santos, vice-governador do BP, é muito próximo do primeiro-ministro. E isso é coisa que Centeno já não é. Affaire à suivre.
2. Aflito com a questão Centeno, António Costa fez um número político e ensaiou o apoio à recandidatura de Marcelo, numa visita em dueto às instalações da fábrica de Palmela, uma herança do “sinistro” Cavaco Silva e do “tenebroso” Mira Amaral. O país político-mediático entusiasmou-se e esqueceu momentaneamente a covid-19, o PIB, a dívida pública, o desemprego, a nulidade da Segurança Social e até a bárbara morte de uma criança. Tudo se apagou perante o número circense do chefe do Governo. Em boa verdade, para Costa e para o PS é óbvio que Marcelo, em querendo, se recandidata e ganha. A questão depende mais da opinião do neto mais velho do Presidente, que lhe deu luz verde para o primeiro mandato, do que de qualquer outro mortal que ande na política. Fino como é, Costa sabe isso melhor do que ninguém. Obviamente, sabe também que Marcelo ganhará sempre as eleições desde que se recandidate. Ana Gomes (uma espécie de Manuel Alegre de saias, de Fernando Nobre ou de Sampaio da Nóvoa em versão truculenta), André Ventura (o populista de escala) e os reacionários candidatos que o Bloco e o PCP não deixarão de apresentar poderão fazer o que quiserem e apresentar todo o tipo de folclore ou danças do varão que nada impedirá uma vitória de Marcelo, sendo indiferente para o segundo mandato que tenha mais ou menos percentagem de votos do que o inesquecível Mário Soares. António Costa prefere, obviamente, Marcelo em Belém a arriscar noutro candidato. O PS pode fingir que não quer Marcelo. No limite, até pode arranjar alguém só para dizer que não fica em casa de pantufas. Nada disso é relevante. Em termos de presidenciais, les jeux sont faits. Costa não quer saber desse tema para nada. Em Belém decidem-se meia dúzia de lugares mais ou menos irrelevantes e honorários. Em São Bento e no resto do Executivo está o bife do lombo que interessa ao aparelho socialista, como Ana Gomes bem sabe, até porque se foi alimentando de uns nacos bem suculentos ao longo de uma carreira gloriosa.
3. A Festa do Avante! está obviamente a tornar-se um problema político relevante e uma novela político-mediática. Por mais voltas que se queira dar ao texto, aquele evento é, na prática, um festival de música e de cultura salpicado com uns discursos políticos dos dirigentes do PCP, aos quais só ligam os mais radicais, os empregados do partido e os sindicalistas profissionalizados. Assim sendo, não há que ver. Tal como os festivais de verão, a única solução é cancelar desde já o grande evento comunista. Protelar a decisão é falta de sensatez, falta de coragem política e, eventualmente, pôr em causa a saúde pública numa fase de pandemia planetária como nunca se tinha visto, apesar dos meios gigantescos que existem. Só uma teimosia sectária ou um acordo político de trocas pode justificar uma cegueira que não proteja a saúde e uma decisão diferente da que foi assumida face aos festivais de verão. Claro que até pode haver soluções que permitam ao PCP fazer passar a sua mensagem política, mas para isso é preciso estabelecer as regras de imediato. À cautela, o PCP até já agendou um comício para junho, só para o caso de o grande evento político-festivo não ocorrer ou para procurar impô-lo, em função da conjuntura. Protelar uma decisão sobre a realização da festa é instalar a confusão política e dividir os portugueses quanto uma matéria altamente sensível como é a da liberdade. E, realmente, é tempo de deixar de haver portugueses que são mais iguais que outros, como se viu no 1.o de Maio.
Escreve à quarta-feira