Celebrou-se o dia internacional da luta contra a homofobia, transfobia e bifobia de especial significado para todos aqueles que lutaram e continuam a lutar contra a discriminação com base na orientação sexual. Apesar da necessidade de se relembrar sempre o caminho a percorrer na luta contra a discriminação, em Portugal este dia é também de comemoração por aquilo que já se alcançou.
Comemora-se, também, o Dia Internacional da Reciclagem.
Se é certo e sabido que muito percorremos desde o encerramento das lixeiras na década de 90 do século passado, a verdade é que a política para o setor da gestão de resíduos e consequentemente da reciclagem encontra-se, hoje, num impasse, tendo em conta as metas a alcançar e as alterações à Diretiva-Quadro dos Resíduos que obrigam a uma maior exigência.
Estas novas orientação e diretrizes colocam o setor dos resíduos, em especial a gestão de resíduos sólidos urbanos numa pressão que há muito não existia e obrigará uma alteração ao modelo existente do “business as usual.”
Por estes dias, ainda que sem os relatórios oficiais da APA e da ERSAR, arriscamo-nos a dizer que o ano de 2019 terá sido, de acordo com os dados já tornados públicos pelos dois maiores sistemas de resíduos sólidos urbanos (LIPOR e VALORSUL), como um dos melhores anos em quantitativos para a reciclagem nacional.
A LIPOR (sistema intermunicipal de gestão de resíduos que agrega uma parte significativa dos municípios da área metropolitana do Porto) divulgou 2019 como o melhor ano de sempre em matéria de reciclagem com aumentos homólogos de 4,24% nos biorresíduos, 13,58% em seletivas trifluxo e uma redução de 0,51% na produção de lixo (não dizendo se esta redução é na produção total de resíduos ou só de resíduos indiferenciados).
Por sua vez a VALORSUL (sistema multimunicipal que abrange 19 municípios da região de Lisboa e Oeste) também comunicou o aumento homólogo de 13% na recolha de embalagens, 10% no vidro e 9% no papel/cartão.
No município mais populoso, Lisboa, que representa cerca de metade dos resíduos recolhidos e valorizados pela VALORSUL, em 2019, e na sua variação homóloga, houve uma redução de produção de resíduos indiferenciados de 1%, e aumentos de 6% na recolha de papel/cartão, 2% de biorresíduos e 7% no vidro e embalagens. Com uma reciclagem recorde em todo o país de 102 kg/por habitante.
À partida estes dados, aqui enunciados, deveriam ser motivos de grande regozijo e numa análise simples permitir-nos-ia achar que nos encontramos no bom caminho. Ora, a realidade é bem diferente e importa refletir exigentemente no futuro que queremos.
Sucintamente e desde logo, existe um problema de modelos de cálculo para a reciclagem do país que é demasiado complexo e que permite ao nível municipal calcular como reciclagem resíduos que não são efetivamente reciclados, para tal basta comparar as quantidades de resíduos calculados como reciclagem que entram nas TMB com as quantidades de resíduos que saem das TMB diretamente para aterro (é o mesmo “milagre” vendido desde 2016 na capital eslovena – Lujbljana).
Os modelos de cálculo terão de mudar e colocarão a exigência de alterar significativamente a recolha que é efetuada pelos municípios e sistemas em todo o país, com um exigente esforço financeiro longe das capacidades existentes.
Em segundo lugar, o complexo modelo jurídico do setor padece de vários problemas com questões há muito por resolver, desde a voracidade legiferante do Estado que teima em produzir legislação em cima de legislação (apesar de algum esforço de contenção uniformização como é caso do “Unilex”) aos vários problemas de inconstitucionalidade por resolver, relacionados com a violação dos princípios constitucionais da autonomia do poder local e subsidiariedade, do qual o exemplo mais recente, na minha opinião, é a Lei n.º 88/2019, de 3 de setembro.
Outra questão prende-se com a tarifação, não haverá nenhum modelo que produza efeitos motivos sem ter como principal motor os princípios da redução, da reciclagem e do poluidor-pagador como principais referenciais. Sem isso, qualquer incentivo à tão necessária redução de produção será uma miragem.
Estes são só alguns exemplos dos problemas de que enferma o nosso modelo de gestão de resíduos sólidos urbanos em Portugal.
O Dia Internacional da Reciclagem é, assim, uma oportunidade para que se inicie uma reflexão séria sobre o modelo de gestão de resíduos urbanos que temos no país e será um bom momento para se criar um sistema para as próximas gerações. Aumentar parcialmente a Taxa de Gestão de Resíduos, como se prevê, não será nunca suficiente.
Pedro Vaz