Belém. Pressão para uma terceira via à direita contra Marcelo

Belém. Pressão para uma terceira via à direita contra Marcelo


Há movimentações à direita de quem não se revê no Presidente e no candidato André Ventura. No PSD, o chefe de Estado deixou um lastro de incómodo. E Carlos Abreu Amorim está desiludido com o antigo líder do partido.


O Presidente da República assumiu ontem que a campanha para as presidenciais está em “décimo lugar” na lista de prioridades ou preocupações dos portugueses. Mas na direita aumenta a pressão para que surja uma alternativa a Marcelo Rebelo de Sousa para quem também não se revê em André Ventura, líder do Chega. E há um nome que parece ganhar força para ocupar esse espaço: o do ex-dirigente do CDS Adolfo Mesquita Nunes. Porém, para já, a ordem é de cautela.

Miguel Morgado, ex-deputado do PSD e promotor do movimento 5.7, foi o primeiro a assinalar que haverá essa expetativa, a de uma terceira candidatura. E disse-o à Visão. Ontem, limitou-se a dizer ao i que não acrescenta mais nada. Porém, reconhece que “com a atual conduta do primeiro-ministro e do Presidente da República, com certeza” que cresce “uma expetativa de uma terceira candidatura à direita”. Questionado pelo i se não votará em Marcelo Rebelo de Sousa para as presidenciais, Miguel Morgado começou por dizer que “se [o PR] repetir o que fez na Autoeuropa, é impossível”. Em causa estiveram as palavras do Presidente a assinalar que António Costa ”esteve muito bem” a fazer depender a transferência de 850 milhões de euros para o Novo Banco da conclusão de uma auditoria. As palavras de Belém foram interpretadas como um tirar de tapete ao ministro das Finanças (que autorizou a transferência sem a referida auditoria), ao mesmo tempo que o primeiro-ministro, António Costa, fazia votos de uma nova visita à fábrica de Palmela daqui a um ano, no segundo mandato de Marcelo, lançando a sua recandidatura. Foi o suficiente para criar incómodo tanto à esquerda como a direita. E para acelerar as tradicionais movimentações de bastidores.

Mas Miguel Morgado não diz, para já, se apoiará ou não o chefe de Estado, até porque não se sabe o que este fará no futuro. Nem comenta o nome de Mesquita Nunes como potencial candidato presidenciável.

E como nasceu a ideia de colocar a hipótese de Mesquita Nunes como possível candidato? Publicamente, partiu do ex-líder da Iniciativa Liberal, Carlos Guimarães Pinto. “Ele é um dos liberais mais conhecidos do país e representaria bem este espaço político”, afirmou o mesmo ex-dirigente, citado pela Visão – isto numa altura em que o próprio ex-líder da Iniciativa Liberal é visto com bons olhos no partido como hipótese para Belém.

O nome de Mesquita Nunes não parece reunir consenso na Iniciativa Liberal, partido do qual não faz parte, nem o tema parece ser prioritário. Uma fonte da Iniciativa Liberal disse ao i que “não há nenhuma candidatura assumida por qualquer candidato que corresponda ao perfil que traçámos: liberal, íntegro e assertivo na defesa dos interesses de Portugal para além da espuma dos dias. Por isso, a Iniciativa Liberal, que muito preza a natureza individual e livre da decisão de candidatura, não contribuirá para manobras de diversão ou taticismos que desviem a atenção dos temas mais prementes da discussão política”. Ou seja, o partido liderado por João Cotrim de Figueiredo avisa que “não se deixa desviar”: tem calendário próprio para as presidenciais e diz que haverá tempo para o fazer.

Entre os centristas, a ordem também é de grande cautela. Se é certo que não é líquido que os centristas venham a apoiar Marcelo Rebelo de Sousa, também é claro que esta não é altura para declarar apoios a quem não anunciou formalmente candidaturas. Por exemplo, Telmo Correia, líder parlamentar do CDS, não faz qualquer comentário, enquanto Pires de Lima, antigo ministro e dirigente do CDS, “não considera útil” estar a pronunciar-se sobre o assunto. “Se o dr. Adolfo Mesquita Nunes avançar, direi o que penso, mas, até lá, prefiro não me pronunciar”, declarou ao i Pires de Lima.

O i tentou contactar Mesquita Nunes, mas em vão.

No CDS, o tema será tratado com pinças, até porque há riscos acrescidos para as presidenciais. Se vier a apoiar Marcelo (um cenário difícil), esse apoio poderá parecer sempre a contragosto. A alternativa será apoiar um candidato que não consiga melhor do que André Ventura, líder do Chega e único candidato assumido.

E esse será o risco a avaliar. Por outro lado, se Adolfo Mesquita Nunes decidir avançar (já foi sondado, segundo o Expresso) e tiver um resultado melhor do que o partido nas legislativas passadas, ganha hipóteses para uma outra missão: a de concorrer a líder do CDS, uma ideia que não foi abandonada no partido e que pode ser alimentada com algum descontentamento interno com Francisco Rodrigues dos Santos, atual líder centrista.

Certo é que o silêncio de Mesquita Nunes também pode sinalizar que o assunto das presidenciais pode ser avaliado. No passado, quando se colocou a hipótese de ser candidato a líder do CDS, o ex-vice-presidente centrista foi célere a esclarecer que estava fora da corrida. E disse-o nas redes sociais, para travar qualquer especulação.

 

A desilusão entre sociais-democratas

Do lado do PSD não haverá alternativa que não seja o apoio a Marcelo Rebelo de Sousa, mas também há quem esteja desiludido com o Presidente, sobretudo por estes dias.

É o caso de Carlos Abreu Amorim. O antigo deputado do PSD começa por dizer que “não tem posição”, mas reconhece a desilusão: “Hoje [ontem], por exemplo, sobre a questão de Mário Centeno, o Presidente da República parecia quase o porta-voz do Governo, a explicar (…) a amortecer as asneiras tremendas desta última semana à volta da situação do dr. Centeno e do Novo Banco, e fiquei de tal forma desiludido que prefiro não falar mais sobre isso”, afirmou ao i Abreu Amorim.

À margem de uma visita ao mercado da Ericeira, Marcelo recusou ontem que tenha havido uma crise no Governo na semana passada e que os portugueses “devem estar gratos” ao ministro das Finanças.

Sobre a recandidatura, o Presidente insistiu que não sabe ainda se será candidato. Questionado também se a campanha para as presidenciais pode vir a ser feita sem comícios, o Presidente recordou que há quatro anos não teve comícios. Mais, uma campanha com comícios é própria “de um candidato do sistema”. Ora, André Ventura já solicitou que se reveja a hipótese de se adiarem as presidenciais por não ser possível a realização de comícios, devido às restrições impostas pela pandemia de covid-19. Entretanto, ontem, André Ventura não resistiu, por sua vez, a comentar no Facebook as palavras de Marcelo sobre Centeno: “Obrigado, Centeno, sobretudo pelos 850 milhões para o Novo Banco, sem auditoria. Chega de palhaçada! É preciso um Presidente a sério!”

Por seu turno, Marcelo, enquanto Presidente, também anunciou que irá ter mais agenda pública para puxar pela economia, mas sem “coisas a mais” com o primeiro-ministro, para evitar leituras de “complôs políticos”.