Em contagem decrescente para a reabertura das creches na próxima semana, o setor recebeu ontem orientações concretas para o acolhimento de crianças, nesta primeira fase dos zero aos três anos. Primeiro foram disponibilizadas as orientações da Direção-Geral da Saúde e, horas mais tarde, um guião do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, mais exaustivo nas medidas que devem ser implementadas nos estabelecimentos e também pelas amas, que a partir de segunda-feira voltam a poder receber crianças em casa. Luís Ribeiro, presidente da Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI), considera as medidas da DGS aceitáveis, mas lamenta o processo em contrarrelógio quando o objetivo é tornar o regresso às creches o mais seguro e tranquilo possível. Ontem ao final do dia, a APEI estava ainda a inteirar-se do guião da Segurança Social, que vai além das disposições emanadas pela Direção-Geral da Saúde nos cuidados e preparativos a acautelar até ao início da próxima semana. “Tudo isto devia ter sido ponderado e preparado com tempo. Se a reabertura fosse a 1 de junho, como chegou a estar previsto, ia-se preparando estas matérias até lá. Este contrarrelógio leva a problemas, desde logo sermos confrontados com documentos que não estão harmonizados”, disse Luís Ribeiro ao i.
Minimizar o risco Depois de, nos últimos dias, os educadores de infância terem mostrado preocupação com a perspetiva de as creches terem de abrir com total distanciamento social, Luís Ribeiro considera que as orientações da DGS vieram tranquilizar o setor. Mantém-se a indicação de que deve haver uma distância de 1,5 a dois metros entre mesas e berços, e distância na hora das refeições e sesta, mas não está desaconselhado o contacto entre educadores e crianças nem o trabalho em pequenos grupos. A orientação da DGS preconiza o reforço dos circuitos e medidas de higiene, por exemplo, a lavagem de brinquedos comuns duas a três vezes por dia. Os sapatos da rua ficam à porta e devem existir horários desfasados e profissionais dedicados a grupos de crianças, de forma a minimizar os contactos. Deve ser reduzido o número de crianças por sala, “de forma que, na maior parte das atividades, seja maximizado o distanciamento entre as mesmas, sem comprometer o normal funcionamento das atividades lúdico-pedagógicas”, lê-se na orientação. “Sentimos, depois das declarações iniciais, na sexta-feira, que é uma posição aceitável. O que nos preocupou mais foi a questão de ter de haver um distanciamento social rígido, as crianças não poderem interagir umas com as outras e com os educadores, o que era uma violência inaceitável”, diz o responsável. Já o guião elaborado pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social, que tutela as creches, acrescenta mais medidas, da organização geral às novas rotinas, e reforça algumas exigências. Por exemplo, na norma na DGS lê-se que as crianças devem ser deixadas à porta e que deve ser evitada, sempre que possível, a circulação de encarregados de educação nas instalações, o que não consta no documento do ministério. Nas refeições não poderão ser partilhados alimentos e equipamentos e os utensílios das crianças devem ser entregues aos pais. Também só deverão ir duas crianças de cada vez à casa de banho. Aos educadores, além dos cuidados já conhecidos, é recomendado que não utilizem joias. Já as crianças não só não devem levar brinquedos como não deverão levar mochilas para a escola. O guião estabelece ainda que devem ser removidos das salas brinquedos que não são facilmente laváveis (por exemplo, peluches, mantinhas e almofadas, tapetes de atividade sensorial, entre outros) e determina que as atividades devem ser desenvolvidas, preferencialmente, em pequenos grupos ou individualmente, apoiadas pelos profissionais que se encontram com as crianças. Nesta fase devem também ser cancelados espetáculos, as festas internas, as reuniões de pais presenciais, as idas à praia e à natação, indica a tutela.
Sem querer pronunciar-se sobre o documento do ministério, Luís Ribeiro adiantou ao i que esta sexta-feira haverá um webinar com educadores para debater as orientações. Na próxima semana, conforme o que tem sido reportado à associação, as creches estão à espera de ter 10% a 50% das crianças, o que permitirá ajustar o período de adaptação, antevê.
Os receios dos pais No briefing desta quarta-feira, a diretora-geral da Saúde deixou a expetativa de que as creches conseguirão seguir as boas práticas agora definidas. “Tentámos conciliar o melhor de dois mundos”, disse Graça Freitas, “permitir todas as atividades para o desenvolvimento harmonioso, mas com regras e com cuidados”. A diretora-geral da Saúde reconheceu que não existe risco zero, mas sublinhou que a preocupação deve ser minimizá-lo.
Aos pediatras têm chegado as dúvidas dos pais. Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, considera as medidas adequadas face ao que se sabe sobre o novo vírus e também dado o contexto social das famílias. Até aqui, a maioria dos casos de infeção em crianças, não só em Portugal como nos outros países, têm sido ligeiros e com evolução favorável. Já em relação às crianças como agentes transmissores do vírus, a maioria dos casos apontam para a infeção a partir de adultos, e não o contrário, mas o médico sublinha que não existe ainda evidência suficiente. “Sabemos que as crianças infetadas eliminam vírus pelas fezes, mas não sabemos se essas partículas são infecciosas. Não há estudos robustos que nos digam que as crianças são fontes contagiosas”, diz. Para o médico, uma vez que não existem dados para sustentar nem medidas de cautela extrema nem um regresso à normalidade sem cuidados, a posição mais razoável passa pelos cuidados e por uma monitorização da situação nas próximas semanas. “Se se verificar que, com esta medida, aumentou o numero de contágios e, mais do que isso, o número de doentes graves, terá de se avaliar. Que o contágio vai aumentar com a reabertura progressiva do país é inevitável, como acontece com as constipações e gripes todos os anos, e ninguém pensa em fechar tudo para que as pessoas não apanhem gripe. O que queremos é que as pessoas em maior risco não adoeçam e que os serviços de saúde não fiquem saturados”, diz o médico. “Sabemos que se não tomarmos medidas nenhumas, aumenta o contágio. Por outro lado, ao confinar tudo e ficarmos todos em casa, reduzimos os contágios mas não há economia, não há emprego. A solução tem de ser equilibrada do ponto de vista político, social e sanitário, e qualquer recomendação tem de ter em atenção todas as vertentes”. Jorge Amil Dias considera compreensível que os pais tenham dúvidas perante a informação e diz que as normas têm de ser uma moldura para o país. “Estamos a enfrentar uma situação inteiramente nova e transformar preocupações em lei não é solução. Se uma família me diz que está em casa de qualquer modo e pode ficar com as crianças, é uma posição aceitável. Famílias que têm pessoas idosas em casa podem ter receio que sejam contagiadas, outras têm de ir trabalhar. Pensando a vertente social e sanitária, tem de haver um meio-termo que seja aceitável para a maioria das pessoas e, caso a caso, poderão adaptar-se conforme o risco e a capacidade que têm de tomar uma decisão diferente.”