Encontrando-se os tribunais encerrados há mais de dois meses, salvo para processos urgentes que ponham em causa direitos fundamentais, é essencial a sua urgente reabertura. Infelizmente, no entanto, o Governo não apresentou qualquer projecto consistente para proceder a essa reabertura, continuando, por isso, a mesma a ser sucessivamente adiada.
A primeira iniciativa do Governo foi privilegiar a realização de julgamentos por meios de comunicação à distância, o que o dispensaria de assegurar qualquer protecção sanitária nos tribunais. Essa solução tem-se revelado, no entanto, completamente ineficaz. A plataforma sugerida para o efeito tem sistematicamente falhado e a mesma não permite garantir tudo o que é necessário a um julgamento, designadamente que as testemunhas não estejam a ser influenciadas por terceiros e que as mesmas possam ser confrontadas com os documentos constantes dos autos. Por esse motivo, a realização de julgamentos por esta via não é, manifestamente, exequível.
Torna-se, por isso, necessário que os tribunais reabram para a realização de julgamentos presenciais, mas para isso é imprescindível proteger a saúde e a vida das pessoas que lá se deslocam. Efectivamente, os tribunais têm demonstrado ser lugar de risco elevado para a transmissão do novo coronavírus, já tendo sido decretado nalguns casos o seu encerramento para desinfecção, devido à descoberta de casos de contaminação nos mesmos. Só que o Ministério da Justiça produziu para esse efeito um documento denominado “Medidas para Reduzir o Risco de Transmissão do Vírus nos Tribunais”, com uma série de medidas que pecam por serem, umas, insuficientes, outras, inexequíveis, e algumas até mesmo perigosas.
Em relação às medidas insuficientes, salienta-se que o Ministério da Justiça insiste em apenas disponibilizar equipamentos de protecção a magistrados e funcionários, em lugar de o fazer a todos os que se deslocam a tribunal, como os advogados e as testemunhas, a quem exige antes que obtenham eles próprios esses equipamentos. Sabendo-se que os mesmos não se conseguem adquirir facilmente no mercado, esta solução vai implicar faltas injustificadas e até multas a quem não obtenha esses equipamentos, com prejuízo para o andamento dos processos, apenas porque o Estado não cumpre o seu dever de assegurar a protecção da saúde daqueles que convoca para ir a tribunal. É de estranhar esta omissão, especialmente depois de alguns presidentes de comarca terem dado o bom exemplo, tendo adquirido equipamentos de protecção para fornecer nos seus tribunais àqueles que deles não dispõem.
Em relação às medidas inexequíveis, salienta-se a imposição da distância obrigatória de dois metros entre os participantes no julgamento e a abertura de janelas e portas, sendo até desaconselhado o uso de ar condicionado – isto quando se sabe que em inúmeros tribunais mais recentes se realizam julgamentos em salas interiores minúsculas, tendo até havido tribunais a funcionar em contentores, sendo, em ambos os casos, a separação das pessoas impossível, e o calor insuportável. Tal só demonstra o erro enorme que foi a alteração do mapa judiciário de 2014, que encerrou inúmeros tribunais em perfeitas condições e que hoje permitiriam fazer julgamentos em perfeitas condições de segurança.
Finalmente, em relação às medidas perigosas, salienta-se a insistência do Ministério da Justiça em colocar dispensadores de senhas nos tribunais, que as pessoas têm de digitar para poder entrar, e que só são desinfectados uma vez por hora. O Ministério de Justiça está desnecessariamente a abrir um foco de contaminação nos tribunais e a colocar os utentes da justiça em perigo, apenas para estabelecer um sistema de controlo que nada justifica.
O país exige que o seu sistema de justiça, nesta nova fase, volte a funcionar em pleno. Para isso, no entanto, é necessário que o Ministério da Justiça faça o seu trabalho e dote os tribunais de todas as condições de segurança para que estes deixem de ser locais de risco.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990