Está muita gente entusiasmada com o regresso do futebol. Outros com os restaurantes, uns até com o Avante, que querem realizar à força, contando, uma vez mais, com um Governo aterrorizado pela ideia da quebra da paz social que vê personificada no PCP. Em todos surge uma janela de esperança, a retoma da vida, exatamente do momento em que se suspendeu, como se este tempo não contasse e nos fosse descontado no futuro.
A fadiga da quarentena deixa marcas e há quem de tão espartano no confinamento seja hoje condescendente quanto ao distanciamento físico. Pode ser censurável, não sei se não será compreensível. É difícil colocar as vidas em pousio, um longo pousio, quando as consequências se fazem sentir. Como sempre, de forma mais aguda, nos menos abonados na carteira ou na doença ou na idade.
Sente-se que para muitos é já irreprimível o desejo de normalidade. A normalidade parece perto, embora esteja longe. E todos vamos perceber isso quando voltar o futebol, o restaurante, enfim, quando aberta a sociedade nos confrontarmos com o que nos dá mais prazer, tudo com renovados ditames sociais. O futebol sem gente a ver não tem graça. Não tem ardor para os jogadores, não tem arrebatamento para quem vê na televisão. O restaurante, de máscara, ainda menos. A experiência gastronómica esvai-se, o convívio social definha. Em vez dos ansiados raios de sol, vamos enfrentar céus encobertos. Do ponto de vista da resistência penso que é mais amiga a reclusão.
Esta fase é mais desafiante. Coloca-nos tão perto do que desejamos voltar a ter, mas não nos permite tê-lo por completo, o que pode fazer parecer que nada temos. Temo que não seja possível vivê-la sem muitos excessos, faltas e imperfeições, no fulgor da condição humana.
Não basta a lei, importa a ética. Tal como Epicuro: “ Faz tudo como se alguém te contemplasse”.
Deputado