Coronavírus. Um raio-X  aos milhões adjudicados pelo Estado

Coronavírus. Um raio-X aos milhões adjudicados pelo Estado


Milhões de euros pagos por ajuste direto, falta de publicação de contratos no portal Base e ainda muitos serviços que nem sequer foram registados neste site. A ministra da Saúde, porém, garante que procedimentos foram transparentes.


Foi a 2 de março desde ano que foram anunciados, em Portugal, os primeiros dois casos positivos do novo coronavírus. Desde essa altura que a Direção-Geral da Saúde tem feito várias compras no sentido de suprir as necessidades do tratamento da covid-19. Uma pesquisa pelo portal Base – onde ainda só estão publicados alguns dos procedimentos lançados pelo Estado, e não a totalidade – dá conta de perto de uma centena de contratos celebrados maioritariamente com empresas portuguesas, num total de mais de 100 milhões de euros (valores sem IVA).

Segundo consta no portal da contratação pública, estes contratos foram celebrados entre 20 de fevereiro e 13 de abril. No entanto, as despesas da DGS com a covid-19 serão ainda maiores, uma vez que terão sido celebrados contratos posteriores a 13 de abril. Há ainda alguns contratos que não estão bem detalhados, pelo que não é possível perceber ao certo se estarão ou não relacionados com despesas alusivas ao novo coronavírus.

A maior parte dos contratos presentes no portal de contratos públicos é referente à compra de medicamentos e de outros bens essenciais para os doentes e profissionais de saúde, como luvas, zaragatoas, máscaras, batas, ventiladores e respiradores, entre outros.

Em contratos com a DGS, a empresa com maior valor adjudicado foi a GLSmed que, só para a DGS, soma mais de 33 milhões de euros em contratos para vários equipamentos como zaragatoas, máscaras, respiradores, testes PCR e kits de extração de RNA, entre outros. Mas esta empresa de distribuição de produtos, equipamentos e dispositivos médicos detida pela Luz Saúde não é a única com contratos milionários.

Também a FCH Farmacêutica somaria quase 33 milhões de euros, não fosse o contrato de 19,6 milhões ter sido revogado. Soma, assim, quase 14 milhões de euros em contratos, justificados maioritariamente com aquisição de máscaras cirúrgicas, batas impermeáveis, fatos completos impermeáveis, proteção de calçado, antiderrapantes, respiradores FFP2, toucas cirúrgicas e luvas cirúrgicas esterilizadas, entre outros.

Um dos contratos que têm gerado mais polémica está relacionado com a Quilaban, empresa do antigo presidente da Associação Nacional de Farmácias João Cordeiro, que assinou com a DGS um contrato no valor de mais de nove milhões de euros para a aquisição de máscaras e respiradores.

Já os contratos celebrados diretamente com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) não estão todos disponíveis – há apenas nove, que somam 647 mil euros.

Marinha gastou meio milhão

Relativamente às restantes tutelas, a Marinha, através do Ministério da Defesa Nacional, é a entidade pública que tem mais registos no portal Base – o que não significa que tenha sido a que mais contratou. No total, a Marinha gastou 504 426,70 euros em 20 serviços, contratados nos últimos meses, no âmbito da covid-19. Máscaras, fatos de proteção, gel desinfetante, separadores em acrílico para atendimento, toalhas de mãos descartáveis ou termómetros são alguns dos materiais adquiridos. O contrato que registou o valor mais elevado, de 254 mil euros (mais IVA), foi assinado no início de abril entre a Marinha e a empresa Interlimpe, para a limpeza dos centros de acolhimento de doentes infetados com covid-19. Além do regime de ajuste direto, em todos estes registos é referida a “ausência de recursos próprios”.

Tanto a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças como a Secretaria-Geral do Ministério da Economia registaram apenas contratos relativos à aquisição de computadores portáteis para o teletrabalho. A 18 de março, o Ministério das Finanças comprou 50 computadores, com um prazo de entrega de cinco dias, por 48 550 euros. Já o Ministério da Economia assinou um contrato de cerca de 21 mil euros no primeiro dia de abril, não se sabendo, no entanto, quantos equipamentos foram comprados, uma vez que neste caso não é disponibilizado o contrato. Já no Ministério dos Negócios Estrangeiros há um contrato de “reforço ao contrato de aquisição de serviços técnicos de apoio à Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, no âmbito do plano de contingência covid-19” –serviço prestado por uma empresa no valor de 34 723,80 euros (mais IVA).

Do lado dos tribunais, também existem contratos celebrados pela Direção-Geral da Administração da Justiça, serviço do Ministério da Justiça que apoia o funcionamento dos tribunais. Aqui há três contratos no valor de quase 200 mil euros no total: dois de fornecimento de desinfetante e um de aquisição de acrílicos de proteção para as áreas de atendimento nos tribunais.

Para proteção no atendimento, também o Instituto da Segurança Social adquiriu “viseiras de proteção ao posto de atendimento” por 76 800 euros. Além disso, comprou serviços de transporte “de entre 4 e 6 entregas de equipamento de proteção individual que correspondem a cerca de 15 a 49 paletes de equipamento por entrega”, por 48 mil euros.

Já a Assembleia da República tem apenas um contrato celebrado no âmbito da pandemia referente ao “aluguer de 120 dispensadores para solução antisséptica de base alcoólica”, no valor de 9988,20 euros – contrato celebrado por ajuste direto com a Serviopen a 1 de abril.

2,1 milhões para a TAP

A Administração Central do Sistema de Saúde fundamenta como “ausência de recursos próprios” os quatro contratos realizados com a TAP para a aquisição de serviços para o frete de avião para a realização de ligação aérea Lisboa–Pequim–Lisboa com vista à recolha e transporte urgente de equipamento e material hospitalar proveniente da República Popular da China, para combate à pandemia do novo coronavírus. Todos os contratos datam do mês de abril e somam um total de mais de 2,1 milhões de euros.

GNR e Proteção Civil

Também a Guarda Nacional Republicana adquiriu equipamentos necessários à proteção contra o novo coronavírus. Entre os dias 9 e 27 de março, a Guarda gastou um total de quase 245 mil euros em máscaras cirúrgicas, álcool-gel antisséptico, desinfetante para as mãos e máscaras com proteção FFP2, em contratos assinados com as empresas Fourheka, Destilaria Levira e Paul Hartmann.

No portal de contratos públicos é ainda possível ter acesso aos contratos realizados pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). Para aquisição de equipamentos de proteção individual, como máscaras, luvas, óculos e batas, a ANEPC celebrou um contrato de quase 7700 euros com a Plurisafe a 27 de fevereiro, justificando a aquisição como no âmbito da pandemia. No mesmo dia foi ainda assinado um contrato com a Ambex Equipamentos, no valor de 10 mil euros, para a aquisição de máscaras FFP2.

Ministra reage A ministra da Saúde, Marta Temido, garantiu uma total transparência nos contratos celebrados por ajuste direto durante a pandemia.

A ministra visitava o Hospital da Prelada, no Porto, quando foi questionada sobre a compra de material de proteção a 17 empresas, por ajuste direto e sem publicação do contrato, no valor de quase 80 milhões de euros – informação noticiada pelo CM.

“Não tenho comigo a informação exata sobre os valores dos contratos”, começou por dizer Marta Temido. “Vamos ver exatamente do que estamos a falar. Eu, neste momento, não tenho informação que me permita responder com rigor”, acrescentou. Sobre a não publicação dos contratos no portal Base, Marta Temido assegurou que isso vai acontecer “até ao final desta semana”.