Até há pouco motores de desenvolvimento e massacrados por impostos, taxas, taxinhas e todo o tipo de condicionantes devido ao seu crescimento, os setores ligados ao turismo são agora as principais vítimas económicas da pandemia.
Sucedem-se falências, desemprego e ruturas nas múltiplas áreas que envolve o turismo, que é, de longe, a nossa maior exportação. É ele o verdadeiro motor da subsistência económica de Portugal e dos portugueses. Dir-se-á que poucos ou nenhuns são os que não ganham, nem que seja indiretamente, uma parcela do seu rendimento por via daquele setor.
No cômputo nacional, o que não é turismo e afins é proporcionalmente pouco. É verdade que há indústrias e atividades importantes, como as do calçado, o vinho ou a fabulosa Autoeuropa, que concorre para 1,5% do PIB, mas não são nada face aos cerca de 20% que deve valer o turismo e as suas atividades adjacentes, que vão do tuk-tuk ao hotel de superluxo, passando pela restauração, o alojamento local, as atividades de lazer e de desporto (surf, designadamente), a enorme área de incentivos ou congressos e, naturalmente, a construção civil, pilar, motor e beneficiária de muita coisa. Pelo turismo apareceram investimento, empresas novas, habitação de luxo, empresas imobiliárias, e vieram até estrelas mundiais instalar-se cá. Claro que trouxe também saturação e coisas muito desagradáveis como a descaracterização de Lisboa e do Porto em termos de população. Mas compensou pela reconstrução e agora a crise pode ajustar o mercado para rendas mais acessíveis. Por muito que custe aos puristas, foi o turismo e a emigração que nos salvaram da crise, e não propriamente a performance económica do dr. Siza Vieira, uma espécie de inaugurador-mor do regime, apenas precedido no ranking pelo dr. Costa.
Agora que se pensa na retoma gradual é preciso ter consciência e assumir que, se acaso se pretende uma recuperação mais rápida e ativa da nossa economia quase monotemática, há uma condição que é absolutamente essencial. E essa chama-se aviação comercial. São os aviões e as companhias aéreas, quaisquer que elas sejam, que trouxeram a Portugal cerca de 90% dos turistas que nos demandaram, excetuando os que vêm de Espanha para curtas estadias ou até só para o petisco. Na Madeira e nos Açores, não se chega de outra maneira. A aviação é a mãe de quase toda a atividade turística.
O desconfinamento tem de ser prudente, é verdade. Tem de ser gradual, é certo. Tem de ter o mínimo de riscos, obviamente. Tem de ser avaliado em função da evolução da contaminação, é um facto. Tem de se ver se o vírus não volta a vir de fora, é óbvio. É tudo assim, mas também é uma realidade que Portugal tem o turismo como principal fonte de rendimento e de sustentação da sua economia. É o preço de se ter desistido ou de não se ter tido políticos capazes de trazer indústrias e atividades não efémeras e volúveis para Portugal e de tudo ter sido feito pela criatividade de um povo engenhoso e desenrascado de um país bonito, ameno, seguro e à beira-mar plantado. Foi a sociedade civil que operou esse milagre, muito porque aproveitou a queda de mercados perigosos do norte de África e da Turquia.
Hoje, mesmo quem não apreciava o alojamento local, o excesso de hotéis cheios de estrelas ou de hostels, os ingleses bêbados no Algarve, os golfistas barrigudos, a Web Summit (alguém sabe se há este ano?), os múltiplos chefes de cozinha, e que desesperava por um belo cozido com enchidos da terra, que estava cansado dos TVDE, dos taxistas, dos paquistaneses dos tuk-tuks, dos aviões a cada minuto e das companhias aéreas de baixo custo, dos aeroportos cheios e de muitas mais coisas, tem de reconhecer que somos pouco mais do que um país de turismo e para turistas, e de muitas tasquinhas e cafés. E, por isso, estamos de rastos, com um Estado que objetivamente não chega às pessoas porque a segurança social é uma miragem. Os apoios sociais e económicos são pouco mais do que conversa fiada. Assim sendo, o melhor é lutarmos pela retoma naquilo que verdadeiramente tem criado emprego e circulação de dinheiro: o turismo. A reconstrução nacional não pode, de repente, ignorar a realidade que tínhamos. Por isso, há que aproveitar a oportunidade para voltarmos a aparecer depois de uma pausa, como muito bem expressou o fabuloso anúncio recente do Turismo de Portugal, que correu mundo. Temos de aliar a essa necessidade e à nossa marca o facto de termos tido mérito e sorte no controlo da pandemia (oxalá se mantenham) e de, politicamente, não andarmos todos ao estalo.
Mas o turismo não recomeça de um momento para o outro, nem para ele contam substancialmente os que chegam de carro, de comboio ou de cruzeiro, por umas horas. Basicamente, o turismo vive de quem chega pelo ar. Ou seja, a retoma da aviação é o fator essencial para permitir uma recuperação da economia, dentro de regras de segurança aceitáveis e exequíveis. Portugal não pode mudar a sua matriz de um dia para o outro. Não é a fabricar máscaras e gel de álcool que vamos lá.
Talvez não seja necessário o aeroporto do Montijo. Basta o da Portela a funcionar bem. Há que ter cuidado com o investimento para que não nasçam inutilidades como Beja ou o autódromo do Algarve. Nada se fará no turismo sem a aviação de médio e, obviamente, de longo curso. Esta última é até a que traz turistas, empresários e investidores com mais poder de compra. É também a de longo curso que faculta viagens de trabalho para os quadros dos maiores projetos portugueses no exterior, como a participação técnica em grandes complexos pelo mundo fora.
É preciso ter consciência disso e que o Governo atue com serenidade e determinação para que voltemos a ter a nossa principal fonte de rendimento minimamente estabilizada, embora com rigor e sensatez. Mas tudo passa pela vinda de pessoas por via aérea. Que ninguém duvide. E é preciso conciliar isso com uma contenção da pandemia feita pelo Governo e pelos cidadãos individualmente, com uma grande responsabilidade cívica e sanitária. Os dias que aí vêm são mais decisivos do que os que passaram. É mais fácil estar em casa do que voltar às ruas porque, estando fora, podemos estar a pôr em causa a vida dos outros e a nossa, se não soubermos ser cidadãos responsáveis.
Escreve à quarta-feira