Beastie Boys. Celebrar crescimento e amadurecimento

Beastie Boys. Celebrar crescimento e amadurecimento


De “party boys” para adultos e músicos a sério, tentamos explicar como é que se transformaram numa das bandas mais influentes do mundo. Isto a partir do novo documentário sobre a banda, para ver na Apple TV+.


“Now here’s a little story I’ve got to tell / About three bad brothers you know so well / It started way back in history / With Ad-Rock, MCA, (and me) Mike D” e, de facto, é uma história que nunca é demais recordar. 

Estes primeiros versos de Paul Revere, música de Licensed to Ill, primeiro álbum dos Beastie Boys de Ad-Rock (Adam Horovitz), MCA (Adam Yauch) e Mike D (Michael Diamond) que, em 1986, catapultou os três miúdos na casa dos 20 anos para uma fama inimaginável, podiam ser o mote do novo documentário Beastie Boys Story, que estreou dia 24 de abril na plataforma de streaming Apple TV+.

Idealizado como uma estranha mistura entre palestra TedX e um espetáculo de comédia Stand-Up, realizado por Spike Jonze (cineasta responsável por filmes como Her ou Being John Malkovich e que realizou vários vídeo clips da banda como, por exemplo, Sabotage), Ad-Rock e Mike D, membros sobreviventes do grupo (MCA morreu de cancro em 2012), sobem ao palco do Kings Theatre em Brooklyn para contar a verdadeira história dos putos que outrora obrigaram o parlamento inglês a reunir-se para tentar impedir que atuassem nas terras de sua majestade.

Pouca música, mas muitas emoções

Ao longo das duas horas do espetáculo, que nasceu como um complemento para a apresentação do Beastie Boys Book, lançado em 2018, os dois músicos focam-se menos no processo criativo da sua música, mas sim no lado humano dos Beastie. 

A amizade nasceu através das suas humildes raízes punk. Mike D conheceu MCA num concerto dos Bad Brains. Ad-Rock conheceu-os num concerto dos Misfits (ou, como o próprio admite, podia ter sido um concerto dos Circle Jerks, mas como ele prefere os Misfits opta por esta versão).

Depois de Ad-Rock substituir John Berry na guitarra, os três jovens, juntamente, com Kate Schellenbach, na bateria, formaram a primeira versão do que viria a ser os Beastie Boys (um acrónimo para Boys Entering Anarchistic States Towards Inner Excellence). 

Contudo, ao expandir as suas influências musicais e a interessarem-se cada vez mais por hip-hop e rap, que florescia no underground com artistas como LL Cool J ou os Run-DMC, o som dos miúdos começou a ganhar contornos únicos com esta mescla entre hip hop e punk.

O grupo juntou-se à Def Jam Recordings do produtor Rick Rubin (uma espécie de irmão mais velho dos Beastie) e do empresário Russel Simmons. Os dois visionários olharam para os miúdos de Nova Iorque e viram a oportunidade de introduzir este estilo musical associado à comunidade negra em circuitos mais populares como a MTV. Rubin e Simmons reimaginaram os Beastie Boys como uns “badboys do wrestling” e o que se seguiu é história.

O seu primeiro álbum, Licensed to Ill, foi um sucesso estrondoso, primeiro álbum de hip-hop a chegar a número um no na tabela da Billboard, com as suas contagiantes músicas que gozavam com a cultura de masculinidade tóxica do glam rock. No entanto, este sucesso trouxe inúmeras repercussões.

O grupo era visto como uma cambada de miúdos imaturos e eram acusados de serem misóginos. Muito antes do sucesso da banda descolar, já Kate Schellenbach tinha saído da formação, algo que pesa na consciência de Mike D e Ad-Rock, que utilizaram este espetáculo como uma espécie de confessionário.

Num dos segmentos, Ad-Rock recita um dos versos da música Girls: “Girls – to do the dishes / Girls – to clean up my room / Girls – to do the laundry / Girls – and in the bathroom /Girls”. As suas personas começaram a tornar-se cada vez mais reais e as pessoas com quem gozavam começaram a aderir aos seus concertos e a tomar músicas como (You Gotta) Fight for Your Right (To Party!) de forma demasiado literal.

Não era isto que a banda pretendia fazer com a sua música, estes não eram os verdadeiros Beastie Boys.

“Prefiro ser um hipócrita do que o mesmo homem para sempre”, disse Ad-Rock a um jornalista. E o que seguiu Ill Communication não foi uma sequela, mas sim um reboot.

A influência do Sgt. Peppers do hip-hop

Depois de andarem em tour exaustivamente com jaulas, com dançarinas e um pénis com mais de sete metros em cima de palco, de terem abandonado a Def Jam por estes se recusarem a pagar à banda os lucros do disco e exigirem que fizessem o Fight For Your Right (To Party!) parte 2, a banda decidiu fazer uma pausa e cada membro seguiu a sua vida.

Ad-Rock foi viver para Hollywood e tentou uma carreira como ator, MCA continuou a fazer música com a sua outra banda, Brooklyn, e Mike D “esteve a experimentar drogas”.

Meses depois de terem estado sem falar, os músicos reuniram-se na Califórnia. Desta vez, queriam provar ao mundo que eram músicos a sério e distanciarem-se da imagem de foliões.

O sucessor surgiu com o nome de Paul’s Boutique (1989). Apesar de ser considerado a obra prima da banda, foi um fracasso comercial e, neste documentário, é retratado como uma pedra no caminho.  Numa entrevista com o Jimmy Fallon e o Questlove (feita via Skype), o baterista dos The Roots diz que a única queixa que tem deste documentário é a forma como Mike D e Ad-Rock não prestaram o devido valor “ao feito artístico que é Paul’s Boutique, um álbum que o músico considera ter “mudado vidas criativas”. “Vocês mudaram o paradigma criativo do hip hop”.

Apesar de ter sido um falhanço comercial e incompreendido por alguns fãs, a crítica considerou este disco uma autêntica revolução musical. Graças aos contributos dos produtores Dust Brothers os músicos usaram centenas de samples ao longo das 15 faixas, gastando neste processo cerca de 250 mil dólares para pagar os direitos das músicas, de forma a aperfeiçoarem o seu novo e inédito som. 

Em The Sound of Science, são sampladas, entre outras, quatro músicas faixas dos Beatles, nomeadamente, The End, When I’m Sixty-Four, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band e Back in the U.S.S.R., em Shadrach encontramos uma mescla que junta Sly & The Family Stone, James Brown e AC/DC.

Este álbum é frequentemente comparado ao Sgt Pepper’s dos Beatles ou ao Pet Sounds dos Beach Boys pela forma como as músicas foram construídas sobre camadas minuciosas de múltiplos e discretos sons diferentes. 

O seu trabalho também é reconhecido pela restante comunidade de hip-hop. “O ‘segredo sujo’ da comunidade negra de hip-hop”, confessou o Chuck D dos Public Enemy na revista Vibe, “é que o Paul’s Boutique tem os melhores beats”.

Agora, com um distanciamento temporal, é possível perceber como este álbum, juntamente, com Low End Theory dos A Tribe Called Quest e 3 Feet High and Rising dos De La Soul, todos lançados em 1989 (o que pode explicar o porquê de o álbum não ter sido tão bem sucedido comercialmente), influenciou produtores e artistas de hip-hop, como Wu-Tang Clan, Kanye West, Kendrick Lamar, DJ Shadow ou os The Avalanches pela forma como abordam os samples.

“Correndo o risco de ser ridicularizado”, escreveu David Hiltbrand na Time Magazine em 1989, “o Paul’s Boutique foi um álbum tão importante para 1989, como o Blonde to Blonde [do Bob Dylan] foi em 1966”.

As próprias letras, que “expandiram o reino do hip-hop”, como explicou William Bowers na Pitchfork em 2002, com referencias a J.D. Sallinger, Charles Dickens, Galileo ou Isaac Newton, ou a sua obsessão pela cultura pop e humor (a banda auto descreve-se como um cruzamento entre os Monty Python e os Black Flag), transcendeu a música e, na década seguinte, estariam presentes em todo o lado. Por exemplo, na televisão através dos Simpsons ou no cinema com os filmes de Tarantino. 

Depois de Paul’s Boutique, os novos e mais maduros Beastie Boys voltaram a encontrar a boa forma com três sucessos consecutivos em Check Your Head (1992), Ill Communication (1994) e Hello Nasty (1998) voltaram a colocá-los no topo do mundo.

O seu último concerto viria a acontecer em 2009, no festival Bonnaro. Pouco tempo depois, MCA descobriu que tinha cancro na glândula parótida e acabou por falecer em 2012. Com a sua morte não fazia sentido continuar a banda, explicam os dois membros sobreviventes. Ao recusar continuarem a fazer um trabalho com o qual já não se identificavam, os Beastie Boys acabaram por revolucionar o mundo do hip-hop e, durante esse processo, por crescerem como pessoas e como músicos. 

Agora, os Beastie Boys querem continuar a mudar o mundo, se não for através de música nova, que seja com este conto sobre amizade, amadurecimento, luto e superação.