Um conjunto de razões oportunistas motivaram a desgraça do filme que encerra a saga de Michael Corleone: que (i) a saga não necessitava de um terceiro filme, em face das marcas que os dois primeiros tomos haviam gravado na história do cinema e na concepção popular do cinema – eram, dizia-se, filmes "perfeitos"; que (ii) Francis Ford Coppola fundamentava a existência da terceira parte num conjunto de motivações menos "nobres", fossem elas financeiras, "oportunistas", dirigidas a catapultar novamente o seu nome adormecido para as luzes da ribalta; que (iii) Sofia Coppola oferecia uma interpretação hedionda, irrecuperável, que a narrativa do filme, em que o papel de Mary Corleone é central, não podia suportar – "o" exemplo mais flagrante de nepotismo no cinema dos anos 90; que, (iv) enquanto filme independente, a construção da respectiva narrativa seria desequilibrada, e ainda para mais dinamizada por actores velhos em esforço e por actores novos sem talento (que seriam, à cabeça, Sofia Coppola e Andy Garcia).
O tempo encarregou-se de fazer justiça a este filme numa série de vertentes: (i) foi reabilitado pela crítica mundial, o que a certos níveis significou mesmo a sua elevação a "cume" da saga Corleone, um filme deslocado do seu tempo e por isso mais raro, notoriamente mais barroco, cujo acto final representa uma fundição suprema entre cinema e ópera; (ii) a tragédia, como a ópera, como o cinema, não são actos naturais – pelo contrário –, o que forçou o reconhecimento de que tudo o que o filme poderia ter de operático, de anti-natural, concorreria para a atribuição à trilogia, no seu todo, da dimensão mitológica que a sua história épica tenciona contar: the rise and fall of Michael Corleone, the death of Michael Corleone; (iii) os anos, naturalmente, depuram os diamantes, permitem que se veja de forma mais límpida o objecto final e não tanto as motivações por detrás da sua existência – pouco importa, perante o velho e calado Coppola, que força o dirigiu. The Godfather Part III tem hoje, na história do cinema, espaço para respirar por si mesmo.
E Sofia Coppola, relegada para o plano da realização à custa da desilusão posterior à estreia da sua Mary Corleone, que fez correr tinta pelas piores razões? Ela é o centro da concepção popular – negativa – da terceira parte da saga Corleone. Não foi recuperada; aliás, recuperam-na dizendo que se trocou uma péssima actriz por uma "boa realizadora". Na Parte III, uma Sofia Coppola adolescente representa a adolescente Mary Corleone, filha ingénua, deslumbrada e deslocada de Michael, o Padrinho. Cada fala e cada movimento seu, um sorriso, uma dança, um gesto de amor, carregam consigo uma perversidade doentia, que se fundamenta, exclusivamente, na inexperiência da actriz: num mundo cinematográfico em que cada gesto seria equacionado com rigor, ela é ingénua, apresenta-se destoante e imperfeita. Na sua imperfeição encontra-se, no entanto, a força motriz daquilo que a move – e que finalmente a mata – que é a paixão incestuosa que vive com o primo, o herdeiro da família, que insiste na sua continuidade.
Desde a sua primeira aparição, revelam-se as características que acompanharão o retrato de Mary: uma beleza difícil de apreender, mas inegável; formas corporais aparentemente pouco angelicais, mas que se transcendem no acto final; a necessidade de apoiar o flirt em olhares, em movimentos de caça, em enigmas que deixam adivinhar o poder que, não obstante não exercer, detém. Chamar-lhe-ia a "sensualidade da imperfeição", talvez a mais avassaladora, porque é quando o amor não se explica na sensualidade óbvia que toma proporções abstractas e conduz os homens à rendição. Como hoje, um tempo em que, perante a cultura do corpo e da "perfeição", o homem cisma por uma curva que destoe, por um rosto imperfeito, a que possa dirigir a sua devoção. Desde que vê Mary Corleone dançar com o pai, após os seus primeiros avanços de mulher ingenuamente poderosa, Vincenzzo (Garcia) é-lhe devoto de um amor fogoso, que dura até à morte da Princesa Corleone. Por fim, ao colocar-lhe a mão no ombro dá-lhe a sua última prova de escravidão.
Talvez não houvesse outra actriz que pudesse representar tudo isso com esta força enigmática; que pudesse carregar de mistério – simbolizado por aparente falta de rigor – cada linha de diálogo que lhe compete; que conseguisse apaixonar um gangster fascinado pela crónica familiar, graças ao equilíbrio pouco visto em cinema entre o que é agradável num rosto e num corpo e o que é desagradável (as linhas, a boca, o bambolear, a voz, o modo como esta é projectada, a confiança que gera ou não no outro, por ser mais ou menos natural); que tivesse capacidade de atribuir ao encerramento da trilogia o tom trágico que Coppola pretendeu para ele – da tragédia no sentido mais puro, em que, num simples acto, a vingança dos deuses se acomete sobre os reinantes, levando-lhes os filhos mais desejados, mais belos, mais sensuais, a quem haviam prometido mais fortuna. Depois de termos visto tantas formas de actuar – Bresson, Oliveira, Pedro Costa, Ford, Eastwood, etc. – como é possível causar-nos algum dissabor a majestade de Sofia Coppola?