Da telescola ao teledescanso e um obrigado aos professores


A responsabilidade por impor bom senso no ensino à distância é do Ministério da Educação. E, aí, o ministro Tiago Brandão Rodrigues falhou.


A primeira semana do #EstudoEmCasa foi considerada um sucesso. A telescola lançou a RTP Memória para recordes de audiência e a aula mais vista, “Estudo Artista”, chegou a ter perto de meio milhão de espetadores. Certamente haverá correções a fazer – as metodologias pedagógicas utilizadas e as questões de igualdade de género foram as mais apontadas. Mas o regresso do par pedagógico, a qualidade e a rapidez com que se montou um projeto desta dimensão devem ser saudados.

Mais uma vez, os professores mostraram estar à altura dos desafios. Desenhar e apresentar aulas em frente a uma câmara, num estúdio de televisão, sem qualquer contacto com os alunos, está nos antípodas da natureza da sua profissão. Mas o esforço de reinvenção não se limitou à telescola: há dezenas de milhares de professores a fazer das tripas coração para continuar a acompanhar os seus alunos em modelos de ensino à distância para os quais não estavam preparados nem tiveram formação específica.

Essa é uma das lições da pandemia. Há pelo menos uma década, desde os tempos em que Nuno Crato cortava “gorduras”, que a formação de professores é um ato de resistência docente com financiamento tendencialmente zero (quando não são os próprios a pagar do seu bolso). Apesar disso, cada agrupamento fez o seu plano de ensino à distância e os professores estão a implementá-lo o melhor que podem. O problema surge quando planos mal estruturados são impostos pelos diretores e acabam por levar os professores à loucura e as famílias ao desespero.

O que é um plano de ensino à distância mal estruturado? É qualquer tentativa de imitar as aulas presenciais em teleconferência e, levado ao ridículo, ainda passar trabalhos “para casa”. Um professor pode chegar a ter mais de 300 alunos. Um aluno pode chegar a ter 12 disciplinas, fora as ofertas de escola e complementares. São muitas horas em frente a um computador. E, mais importante, estão ambos em confinamento com as suas famílias, muitas vezes com apenas um computador, uma televisão, um smartphone.

Os professores em teletrabalho também têm filhos em telescola. Os alunos em telescola também têm irmãos, pais, uma família a disputar os recursos, o tempo, a atenção, ou o pior dos desafios diários do confinamento: a ansiedade, o desemprego, a pobreza, a doença, a violência. É preciso moderação; senão, tudo isto pode revelar-se um esforço inútil. A obsessão por imitar uma “normalidade” impossível é um absurdo.

A responsabilidade por impor bom senso no ensino à distância é do Ministério da Educação. E, aí, o ministro Tiago Brandão Rodrigues falhou. A autonomia das escolas é um bem precioso, mas tem costas largas, não pode servir para a desresponsabilização da tutela. Faltam orientações claras do ministério às escolas para proteger alunos e professores dos excessos do ensino à distância. Falta perceber como pode haver avaliação nestas circunstâncias com garantia de que nenhum aluno será prejudicado por não ter condições para o ensino à distância. Falta perceber como ficará a igualdade no acesso ao ensino superior.

A telescola é um recurso mais democrático de ensino à distância, tenho-o defendido. Mas não resolve todos os problemas. Estamos a enfrentar o cansaço de um confinamento forçado, uma pandemia sem precedentes, um trauma coletivo. Não há nem pode haver normalidade, só resta fazer o melhor possível. E isso passa por, entre o sucesso da telescola e o esforço em teletrabalho de alunos e professores, encontrar espaço para o teledescanso.

Deputada do Bloco de Esquerda