Quando hoje vemos e ouvimos os telejornais, o que ressalta é, sobretudo, a importância das funções desenvolvidas por médicos, enfermeiros, farmacêuticos, cientistas, forças de segurança, militares, dirigentes da administração pública e das autarquias, funcionários do Estado e municipais, professores, empregados de supermercado, condutores de transportes públicos e de mercadorias, agricultores e todo um conjunto de trabalhadores em atividades económicas, indústria e serviços que abastecem e apoiam os serviços públicos e a população.
São eles, e não outros – os que usualmente se afirmam como o eixo central da nossa vida económica e social –, os que têm aguentado as primeiras linhas dos esforços para conter a pandemia provocada pela covid-19.
Se nos recordarmos, porém, das lutas sociais por melhores condições de trabalho e de vida anteriores à crise, constataremos também que foram os trabalhadores destes sectores os que mais tiveram de fazer-se ouvir e de clamar contra as injustiças que sofriam – e ainda sofrem – no plano salarial, dos horários de trabalho e de (in)segurança laboral.
As suas aspirações sempre depararam, aliás, com uma enorme e agressiva incompreensão dos média subordinados ao poder económico que, em muitos casos, conseguiram mesmo virar parte da população contra eles e já começam de novo a replicar o discurso de 2008.
E, todavia, neste momento grave da vida da humanidade e do país, todos olhamos especialmente, com ansiedade e esperança, para a ação dos dirigentes da administração, dos cientistas, dos técnicos, de todos os funcionários do Estado e das autarquias e, bem assim, de todos os outros trabalhadores e agricultores que, em geral, continuam a assegurar, com coragem e sacrifício real, a nossa saúde, a nossa subsistência – enfim, a nossa vida.
É hoje difícil prever quanto tempo esta crise irá durar.
Quanto mais ela se prolongar, maior a importância dos serviços públicos e do abastecimento à população, bem como o esforço e a imolação desinteressada dos seus trabalhadores serão evidentes.
Importa, por isso, saber se os cidadãos conseguirão continuar a assistir, depois, impávidos à escandalosa diferenciação de rendimentos em relação aos que gerem os negócios da sociedade.
Mas importa saber mais: será que, mesmo assim, o discurso pós-crise sanitária irá, de novo, centrar-se apenas na importância, clarividência e mérito dos que, de cima, vão gerir o esforço de recuperação económica, mesmo que à custa – como sugerem já ser necessário – de mais e mais exigentes sacrifícios para os que, antes, deram diretamente o peito para vencer a pandemia?
Muitos são já os que preconizam o regresso a esse programa corrosivo dos direitos sociais, inclusive em alguns programas e canais da TV pública.
Parece até que têm nele um prazer ressabiado.
Todavia, se tal discurso se impuser de novo, então, para além da crise sanitária, da crise económica e da crise social, teremos, não haja dúvida, desta vez, uma profunda e contundente crise política em muitas partes do mundo e, decerto, em muitos países europeus.
Em que sentido ela irá resolver-se é, porém, de momento, a única incógnita.