Telescola. As aulas sem guião que chegaram  para combater desigualdades

Telescola. As aulas sem guião que chegaram para combater desigualdades


A telescola começa hoje e, apesar de ser um complemento ao ensino, é para muitos alunos que não têm computador a garantia de que assistem às aulas. Sobre desigualdades, Filinto Lima garante que, apesar de existirem, há agora menos alunos sem computador.


Assinala-se esta segunda-feira um marco na história do ensino em Portugal: o regresso da telescola. Ainda que em padrões muito diferentes dos aplicados em 1965, o programa chamado ‘#EstudoEmCasa’ vem, segundo o Governo, diminuir as desigualdades entre os alunos agora confinados ao ensino à distância. Hoje, na RTP Memória, os alunos do 1º ano ao 9º ano podem assistir a várias aulas. Cada uma dura meia hora, os mais novos começam mais cedo e os alunos do 9º ano são últimos a fechar os cadernos, às 17h50.

Na semana passada, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), explicou ao i que a telescola vai funcionar como um complemento às aulas dadas à distância pelos professores de cada escola. Ou seja, cada docente pode referenciar a visualização dos episódios aos seus alunos, ou não. Ainda que se trate de um complemento, os docentes advertiram para o facto de, na semana passada, ainda não estarem disponíveis os conteúdos a abordar, já que o objetivo é que seja também feita a ponte entre a matéria dada nas aulas à distância e a matéria dada através da telescola.

Esses conteúdos foram disponibilizados na sexta-feira pelo Ministério da Educação. “Sobre cada uma das aulas são disponibilizados os temas tratados, as aprendizagens essenciais desenvolvidas e propostas de trabalho/desafios que poderão complementar o trabalho dos professores das escolas destes alunos”, lê-se no site. Por exemplo, esta segunda-feira, os alunos do 9º ano vão, entre as 16h00 e as 16h30, começar a estudar Os Lusíadas. Primeiro a vida e obra de Camões, depois uma breve contextualização histórica, as características da epopeia e a estrutura da obra. Aos professores são dadas ainda três opções de tarefas para realizar com os alunos a propósito desta aula.

Na última quinta-feira, o semanário SOL acompanhou a gravação de duas aulas da telescola – uma de Físico-química e outra de educação Física dos 8º e 9º anos. Estar à frente de uma câmara é, por vezes, mais difícil do que estar à frente de 30 alunos. “Isto aqui só acaba por ser mais fácil de outro ponto de vista: É que não temos de controlar 30 alunos”, explicou Susana Santos, professora de Físico-química no Agrupamento de Escola de Alcanena.

Ainda que não tenha de estar atenta ao comportamento dos seus alunos, através dos gráficos e das tabelas que passavam no quadro, a professora de Físico-química fazia perguntas e aguardava uns segundos para que os alunos em casa respondessem. Primeiro fala-se em estado líquido, sólido e gasoso. Depois sobre amplitude, período e frequência de onda – uma matéria muito visual, impossível de explicar sem gráficos, por exemplo. Primeiro, surge um gráfico no quadro, depois um pequeno resumo por pontos que os alunos devem copiar para o caderno. Esta matéria, explicou a professora Susana Santos, tem uma parte de revisões e outra parte de conteúdos novos. “Para poder avançar, aproveitei para rever matéria que eles já tinham dados. O objetivo é que o programa seja terminado até ao final do ano letivo”. Para isso, já está feito o calendário das aulas e da matéria a dar em cada aula até ao final do ano.

Com Susana Santos foram também duas professoras de Educação Física. Ana Ruivo e Elisabete Neves escolheram dar as aulas em conjunto, por ser mais fácil dar uma disciplina que requer contacto e por ser a primeira vez que estiveram à frente de uma câmara. “A direção lançou o desafio e nós vestimos a camisola”, disse Ana Ruivo. “Fomos lançados às feras, mas sempre nos pediram para sermos nós, para sermos autênticos, não nos obrigaram a seguir um guião. Nós só sabemos dar aulas, não somos pivots e cada um tem as suas fragilidades”, acrescentou.

 

Pais precisam de dar acompanhamento

A propósito das aulas que começam a ser transmitidas pela televisão esta segunda-feira, o cenário em casa de Paula Pereira começa a complicar-se. Pai em teletrabalho, mãe em teletrabalho, um filho com 7 anos e outro com 4. Hoje, Miguel, o filho mais velho que frequenta o 2º ano, vai estar à frente da televisão às 9h00. Primeiro há meia hora de Português, depois um intervalo de dez minutos e, finalmente, mais meia hora de Hora da Leitura. Os alunos mais novos são aqueles que precisam de mais acompanhamento, já que não têm tanta autonomia. “Eu estou a trabalhar a essa hora, ele precisa de ajuda, o mais novo também quer atenção”, explica esta mãe. A única alternativa, diz, será esperar que saia do trabalho para se poder sentar com o filho e assistir então às duas aulas.

A complicada tarefa de ajudar os filhos em regime de teletrabalho é também reconhecida pelos próprios professores. “É desgastante. Os pais, se têm dois ou três filhos não conseguem. Vai ser muito complicada a gestão desse tempo. Um pode estar na televisão, sim, mas depois se tem mais dois filhos que têm de estar a utilizar a mesma ferramenta e às vezes não é possível”, explicou a professora de Educação Física Ana Ruivo.

A propósito da relação entre teletrabalho e acompanhamento escolar, a Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) já pediu, na semana passada, a possibilidade de os pais em teletrabalho poderem deixar os filhos nas escolas que estão agora abertas para receber os alunos cujos pais são profissionais de saúde ou forças de segurança.

 

É possível destruir desigualdades?

Tal como é referido pelo Ministério da Educação, a telescola “assume-se, no 3.º período, como um complemento e um recurso de apoio primeiramente para que os alunos sem conectividade e/ou equipamento possam beneficiar das aprendizagens aí disponibilizadas”. Ao i, Filinto Lima, avançou que “há agora mais alunos com computadores, porque as escolas, as autarquias e várias entidades públicas e privadas estão a emprestar” os materiais em falta. A luta pela diminuição das desigualdades ainda é longa, mas tem vindo a alcançar objetivos. E a telescola é um deles, já que, refere o presidente da ANDAEP, “diminui o constrangimento dos alunos que não têm computadores”. Em relação a estes alunos, “as escolas estão a fazer chegar em suporte de papel os exercícios que os professores pedem”, acrescentou.

Sobre a primeira semana de aulas, Filinto Lima referiu o início de terceiro período foi “muito melhor do que as duas últimas semanas de março”. O balanço feito é, por isso, positivo, sem nunca esquecer “o constrangimento de que o ensino é feito à distância”.