É o tema do dia. Melhor, tem sido o de todos os dias. E, pelo impacto inesperado no mundo, estamos a viver o que ficará escrito para a história. Não se fala de outra coisa. Novo coronavírus. Covid-19. Estado de emergência. Máscara, sim ou não? Crise. Euro bonds. As palavras e questões repetidas, vezes sem conta, nas demasiadas edições diárias de telejornal, normalmente, a contextualizar os efémeros dados da evolução da doença. Ecoam, uma e outra vez, entre o acordar e o adormecer. O mundo parou, nada há a comentar para além dos efeitos da pandemia.
Não me parece sensato observar efeitos positivos nesta crise pandémica quando, no outro prato da balança, pesam a morte e o luto insólito, com distância física obrigatória; a crise económica; a suspensão do turismo; o impacto psicológico, devido ao confinamento obrigatório; a ansiedade; o medo; a falência; o desemprego.
Com (talvez demasiado) tempo para pensar, concentremo-nos, então, nas eventuais oportunidades deste inesperado e já histórico evento. A vida não pára e, hoje, limitados ao espaço de casa, procuremos reflectir sobre a estratégia de adaptação ao novo Mundo e nas medidas de contingência para enfrentarmos cenários análogos. Viveremos, com toda a certeza, para além deste, novos quadros pandémicos.
Em tempos de distanciamento, reforçámos a solidariedade e a coesão social a vários níveis. Não estamos habituados a consensos na AR, mas, desta vez, face à conjuntura de emergência, observámos uma inédita colaboração política da oposição para com o Governo que permitiu adoptar soluções rápidas para mitigar o primeiro impacto desta crise. Esse acto enobreceu o parlamento e a democracia. No sector empresarial e entre os cidadãos portugueses, também se assistiu a uma onda de solidariedade e entreajuda nunca antes vista. Ora, a continuidade deste sentimento de coesão e de protecção é imperativa e deve ser reforçada.
Por outro lado, a UE deverá preparar-se para, no futuro, actuar de forma proactiva ou instintivamente reactiva, e não com um silêncio ensurdecedor que apenas põe em causa a continuidade do projecto europeu. É preciso que os Estados Membros se organizem (e que passe a constar na missão da UE as palavras "Solidariedade, Coesão e Emergência") e definam, previamente, um plano de prevenção para as próximas contrariedades.
Investir. Reconhecer a utilidade e melhorar a eficiência dos Serviços Públicos. O cidadão e as empresas necessitadas aguardam pelo resultado prático das medidas excepcionais implementadas pelo Estado e desesperam por uma resposta automatizada e digital. Na expectativa de uma resposta célere, idealizaram um serviço público prático e simplificado que os protegesse nesta hora de aflição. Afinal, os Serviços do Estado existem para servir o cidadão. Como melhorar? O futuro (imediato) requer um investimento sem precedentes em tecnologia, através de Sistemas de Informação com ligação entre os diversos serviços públicos, e que assegure 100% da automatização e desmaterialização dos processos. É importante ainda, nesta e em futuras situações de contingência, canalizar todos os recursos humanos disponíveis (é fundamental que esta gestão se efective!) para os serviços considerados essenciais, garantindo uma resposta mais célere. O voluntariado (pós aposentação /reforma) também poderá ser uma mais valia, dentro ou fora do Estado de Emergência, desde que devidamente regulamentado e transversal aos serviços públicos. Devemos passar a valorizar aqueles que a sociedade, nos últimos tempos, se tem encarregado de colocar de parte.
De prometido amor a mal-amado: o ambiente. A redução histórica das emissões do CO2, devido a esta crise sanitária, permite-nos pensar em soluções sustentáveis que alcancem, antecipadamente, os objectivos do pacto ecológico europeu fixados para 2050 e avançar com urgência para a cessação do financiamento em combustíveis fósseis. Ainda que a erradicação da pandemia e a recuperação económica sejam prioritárias, tal não invalida que se inicie o processo de preparação do regresso à actividade profissional com o cuidado de não se voltar aos níveis anteriores de poluição. Esta pandemia veio impor restrições à mobilidade e acentuar a utilização de regimes de trabalho/ensino e comunicação à distância, que devem ser mantidos, alternadamente, com a presença física nos nossos locais de trabalho ou estabelecimentos de ensino. É preciso acompanhar apressadamente as tendências do Mundo, seja em teletrabalho ou smart working. O ensino à distância (alternado com presenças obrigatórias), principalmente, a partir de anos de escolaridade mais avançados preparará as novas gerações para as realidades e desafios futuros. A flexibilidade de horários permitirá conciliar a vida profissional com a familiar e desobstruir o habitual tráfego de automóveis no acesso às grandes cidades. Estas pequenas iniciativas internas e medidas de sustentabilidade ambientais, poderão resultar num promissor kick-off, pós Covid-19, para nos tornarmos em habitantes mais afáveis para o planeta. E, assim, fomentar a manutenção da rede “arco-íris”, símbolo de determinação e resistência, no combate ao novo coronavírus. Que permaneça, para sempre, este arco-íris, um fenómeno natural que simboliza a renovação, a esperança e o bem-estar dos seres vivos na terra.
Muito mais haverá a reflectir e a melhorar, mas será um bom começo se aproveitarmos a oportunidade para conquistarmos e concretizarmos estas ideias. O único factor positivo (se assim o podemos chamar) que teve esta crise, foi que nos deu algum tempo, em suspenso e silêncio, neste mundo em desassossego, para pensar em formas de o tornar melhor, menos injusto e mais verde.