1. Porque as vacas nunca voaram. Portugal mantém uma dívida pública elevadíssima, um brutal endividamento de famílias e empresas e uma reduzida taxa de poupança. Tem, por isso, instrumentos menos poderosos para controlar os efeitos económicos da pandemia. O programa de apoio concebido pelo Governo – marcado pelas mais conservadoras opções no que respeita a opções a fundo perdido – é um tácito reconhecimento da fragilidade da nossa posição. Basta comparar com pacotes de apoio de outros países. Menos apoios vão significar maior destruição de capacidade instalada. O nosso ventilador não é suficientemente potente.
2. Porque o endividamento, sobretudo das micro, pequenas e médias empresas, e de muitos empresários em nome individual, conduz a que as linhas de crédito para que estão a ser empurrados sejam um instrumento a que evitam recorrer, pois a não recuperação da procura, de forma vigorosa e rápida, pode ditar definitivamente a sua morte, e muitas vezes, com avales pessoais, o ónus de carregarem um fardo às costas que lhes cerceie o futuro. A variável tempo é crítica. Quanto mais tempo passar, mais vamos sofrer em comparação. A carteira tem menos tostões para aguentar.
3. Porque, se as vacas não voam, as crises também não são assimétricas, ainda que todos os países tenham de lidar com o problema. Quem tem menor poder de fogo resiste com maior dificuldade. Países com menos dívida têm maior margem para resistir. Países com maior grau de autossuficiência, também. Países com um perfil económico constituído por atividades essenciais, que vão recuperar mais rapidamente, melhor ainda. Nós não figuramos em qualquer destes três casos. A crise é simétrica porque afeta todos, mas assimétrica, já que os efeitos não são proporcionais. No nosso caso, a perda pode ser maior, e os efeitos ampliados.
4. Porque o que voou, o turismo, animado pela emergência das low-cost e a democratização das viagens, sofre um rude golpe, previsivelmente de recuperação tardia. O setor em que mais crescemos é o setor mais afetado pela crise. E o setor que mais emprego criou será aquele que mais desemprego pode não conseguir evitar. Não vamos resistir a epidemias sociais em regiões como o Algarve e a Madeira, fortemente dependentes do turismo. Dois mil e vinte vai registar perdas assustadoras. Logo, a quebra do PIB é maior e, em razão da sazonalidade, os empresários já estão a pensar em 2021. Muitos pensam: não há forma de chegar lá! O Estado tem de ir bem mais longe em setores cuja procura venha a reconstituir-se mais lentamente. Tratar diferente o que é diferente vai ser essencial.
5. Num aspeto muito importante, decisivo mesmo, moral até, não estamos a sofrer mais que os outros, nem se adivinha que venhamos a sofrer mais que os outros, embora haja falhas, algumas delas, neste quadro, dificilmente evitáveis: o direito à saúde na covid-19. Mas ninguém pode esquecer: miséria, pobreza e desemprego são um cocktail imbatível para enfraquecer a vida das pessoas, para minar a sua saúde e para serem mais atreitas a desenvolver doenças graves. Isso tem significado no futuro.
6. Porque se é verdade que a covid-19 é, por natureza, igualitária nas vítimas, não distinguindo entre ricos e pobres, religiosos ou ateus, nacionais ou estrangeiros, não é menos verdade – como sempre na História – que distingue, isso sim, na economia, nas condições próprias de cada um. As nossas não são as melhores. Temos de estar cientes disso. Temos de escolher também segundo isso. É um desafio que vai exigir o melhor de nós.
Deputado