Concertos. O cancelado, o adiado e o que se mantém igual

Concertos. O cancelado, o adiado e o que se mantém igual


O setor da cultura e dos espetáculos é um dos mais afetados pela pandemia do coronavírus. Aqui está o balanço de todos os festivais e concertos de música que foram afetados. continuação da página anterior


O tango para ser dançado tem que ser a dois. Com as pessoas fechadas em casa para evitar a disseminação do coronavírus, é impossível reunirmo-nos numa danceteria, para dançar seja qual for o estilo.

Em Portugal, segundo números avançados pela Associação de Promotores e Espetáculos, Festivais e Eventos (APEFE), com a impossibilidade de reunir pessoas no mesmo espaço para dançar, cantar, ou fazer o que quer que seja, já foram cancelados, adiados ou suspensos mais de 24 800 espetáculos. “Estes números só poderão aumentar exponencialmente nas próximas semanas”, alertou a associação em comunicado.

“Para a Indústria da Cultura, que em Portugal foi o primeiro sector a ser fechado, o impacto é avassalador”, explicou Álvaro Covões, criador do NOS Alive, num depoimento ao semanário Sol. “Mais de 100 000 portugueses trabalham ou dependem desta indústria. Músicos, Bailarinos, atores, cantores, autores, técnicos, produtores, promotores, bilheteiros, assistentes de sala, stage hands, riggeres, runners, assistentes de camarins, etc. Profissões que nem nos lembramos como afinadores de piano ou assistentes de guarda roupa. […] Tudo sem rendimento de um dia para o outro e sem grande previsão de apoio”.

O festival de Álvaro Covões, que apresentava uma ambiciosa edição, com um dia extra (quatro no total, agendados para os dias 8 a 11 de julho) foi dos primeiros a reagir à situação de pandemia, mantendo a data do festival e confessando num tom otimista que “todos temos que acreditar que vamos voltar à normalidade”.

“Não há nenhuma recomendação para fechar o país durante seis meses”, disse. “Os prazos têm variado entre 9 e 13 de abril e estamos a falar de um evento que vai acontecer em julho. Irresponsabilidade seria parar a atividade económica e o nosso festival é uma importante atividade económica que gera um impacto económico de 50 milhões”.

Os festivais que fazem parte da curadoria da Música no Coração, como o Super Bock Super Rock (16 de julho e 18 de julho), MEO Sudoeste (4 a 8 de agosto), Galp Beach Party (26 a 27 de junho) ou Sumol Summer Fest (3 a 4 de julho), até à data, também ainda não alteraram a data dos certames.

“Trabalhamos em estreita colaboração com as autoridades competentes em todas as áreas, cujas indicações continuaremos sempre a seguir com rigor, tendo como primeira prioridade garantir a segurança do público, dos artistas, de todas as equipas e das famílias de todos os envolvidos nos nossos Festivais”, escreveu Luís Montez, dono da Música no Coração, num comunicado enviado ao i.

“É com esse sentido de responsabilidade, mas que é também a responsabilidade por toda uma indústria que atravessa um momento crítico, e por todos os nossos parceiros, que acompanhamos a situação de forma séria e atenta, sem desistir”, reagiu, quando questionado sobre o futuro dos festivais organizados pela sua empresa. “Os festivais de verão estão ainda a alguns meses de distância e acreditamos que, durante este tempo, com a continuada colaboração e sentido de responsabilidade de todos, vamos ultrapassar o momento que agora atravessamos”.

Também o festival Vodafone Paredes de Coura se mantém, para já, sem alterações. “Não quer dizer que a situação não se altere daqui a uns tempos, mas para já está tudo programado para a data agendada”, declarou ao i Joaquim Sousa, responsável pela Ritmos, a empresa organizadora.

Festivais como o Neopop, Bons Sons, Sonic Blast, A Porta ou Woodrock ainda não anunciaram qualquer intenção de alterar ou cancelar a data.

Os adiados Mas outros festivais e concertos não resistiram e anunciaram que teriam que ser adiados. O Rock in Rio Lisboa, festival que acontece de dois em dois anos e que ia receber Foo Fighters, Camila Cabello, The National, entre outros, foi adiado para 2021. A notícia foi avançada num comunicado escrito pela vice-presidente do festival, Roberta Medina, que lamentou a situação. “Das várias opções avaliadas, todas implicariam retomar as montagens da Cidade do Rock num momento que acreditamos ainda não ser favorável (maio), pelo que tomámos a decisão de alterar as datas da 9.ª edição do Rock in Rio Lisboa para os dias 19, 20, 26 e 27 de junho de 2021, com a certeza de que esta será uma edição ainda mais mágica e especial”.

Mais a norte, o North Music Festival, agendado para os dias 22 e 23 de Maio, no Porto, foi cancelado na passada terça-feira. “Devido a estas circunstâncias [pandemia] que estamos a viver, vai ser adiado para o próximo ano”, avançou à Lusa Jorge Veloso, diretor do festival e da produtora Vibes & Beats, que considerou que “não era viável”, nem era “oportuno” fazer o festival este ano. No entanto, os cabeças-de-cartaz Deftones, The Script, The Waterboys e Lamb transitam para a edição de 2021.

Adiada para 2021 foi ainda a edição deste ano do Festival Músicas do Mundo (FMM), prevista para entre 18 e 25 de julho, em Sines, Setúbal. O festival Boom, agendado para o período entre 28 de julho e 4 de agosto, em Idanha-a-Nova, Castelo Branco, foi remarcado para julho de 2021. O Festival MED, marcado para os dias 25, 26, 27 e 28 junho, na zona histórica de Loulé, não irá este ano realizar-se, realizando-se só no final de junho do próximo ano.

Em relação a concertos em nome próprio, o espetáculo de Nick Cave, que deveria acontecer no dia 24 de abril, foi adiado para 24 de maio de 2021. Antes disso, o ex-One Direction Harry Styles a 16 de fevereiro e Bon Iver no dia 31 de janeiro. Ainda este ano, os Metronomy vão atuar no dia 7 de setembro no Coliseu de Lisboa.

Os festivais NOS Primavera Sound e ID No Limits também foram adiados, contudo está previsto realizarem-se ainda este ano, estando agendados para, respetivamente, os dias 3 a 5 Setembro e 13 e 14 de novembro. Em ambos os festivais, os cartazes continuam inalterados, com exceção no ID No Limits para os Ezra Collective e Jordan Rakei, que não transitam para novembro “por impossibilidade de agenda dos artistas”.

O festival de metal SWR Barroselas, que supostamente iria acontecer entre os dias 29 de abril e 2 de maio, foi adiado. “O mundo está virado do avesso e ainda vai demorar muito tempo até se recompor. Por esse motivo optamos por adiar a 23ª edição do SWR Barroselas Metalfest para 29 Abril – 02 Maio 2021 e manter ao máximo o cartaz que tínhamos proposto para este ano”, podia ler-se no Facebook do festival.

Os cancelados Existiram vários eventos que não escaparam às garras do coronavírus e foram inevitavelmente cancelados.

O festival Tremor, ilha de São Miguel, nos Açores, e o MIL, que acontece em diversas salas em Lisboa, foram dos primeiros a serem cancelados, uma vez que a sua data coincidiu com o estado de emergência.

Também o festival que acontece em Arcos de Valdevez, o Sons de Vez, anunciou a suspensão de todas as atividades previstas para diversos espaços e programadas até dia 28 na Casa das Artes. Segundo a organização do festival dedicado à música portuguesa, foram cancelados os concertos de sábado com os PAUS e Rackham, dos Nó Cego e Tarântula, no dia 21, e a atuação de Carminho, que encerraria no dia 28 do festival.

Diversos concertos em nome próprio tiveram que ser cancelados sem uma data prevista para a segunda oportunidade para os ver, nomeadamente bandas como Swans, Moon Duo, Follakzoid, Russian Circles, Snarky Puppy, Machine Head, King Dude, Bing & Ruth ou Chico Bernardes.

Francisco Lobo de Ávila, fã incondicional de música, já tinha bilhete para alguns dos eventos atrás referidos, nomeadamente, os concertos de Nick Cave, Follakzoid e para o festival NOS Primavera Sound. Apesar da desilusão de não poder ir a estes concertos ou ter de aguentar “mais um ano de espera”, compreende a necessidade de respeitar as medidas de segurança. “Apesar de ter sido uma desilusão enorme ver concertos cancelados ou adiados, era uma decisão inevitável e a mais correta da parte das promotoras, artistas e espaços de concertos”.

“No caso de Nick Cave já foram marcadas novas datas, mais um ano de espera, mas a saúde publica, mais que a individual e o entretenimento, é o mais importante. Penso – e espero que este não seja um pensamento demasiado optimista – que em maio do próximo ano a situação estará completamente controlada, podendo existir e ter sido implementadas medidas extra de segurança”, disse o jovem do Porto, que acrescentou ainda que não está a considerar pedir a devolução do dinheiro do bilhete. ”No caso de Follakzoid, no Barreiro, no ADAO, o concerto não tem data nova anunciada mas não tenho intenção de pedir o reembolso, uma vez que os espaços independentes são dos que, na minha opinião, sofreram mais financeiramente com esta situação. Quanto aos festivais que ainda não foram cancelados e o Primavera, que foi adiado, penso que necessitarão de medidas extra de segurança, sem estas acho que não se poderão realizar. De qualquer forma não tenho nos planos pedir o reembolso dos mesmos mas só mais próximo das datas é que são possíveis certezas”, confessou.

Face a estes cancelamentos, que estão a prejudicar financeiramente artistas e empresas de agenciamento de concertos, estão a insurgir movimentos que procuram ajudar os lesados.

“Adiem-nos, mas não nos cancelem agora” é um movimento criado em nome da Cultura por inúmeros artistas que participam num vídeo que procura a sensibilização para este momento. “Estamos num momento único na vida de todos. A Cultura foi a primeira a ser parada e será provavelmente a última a poder retomar a sua atividade. Cancelar a cultura de um país é cancelar a sua memória, a sua alma, a sua identidade. Cancelar a cultura é matar a esperança”, defende o movimento.