A quem serve a libertação de presos?


Deste juízo de risco criminal, a mim, preocupa-me desde logo o completo esquecimento do critério da reincidência. Não tenhamos qualquer dúvida de que esta medida vai recolocar cá fora reclusos que não reúnem as mínimas condições para que tal suceda. É uma vergonha. E uma vez mais, compreendendo eu que as exigências que uma pandemia…


Após a renovação do estado de emergência, pese embora o mesmo continue a ser uma coisa meio estranha que dá para nada e, ao mesmo tempo, para quase tudo, passou a destacar-se dentro do leque dos seus preceitos um que, dirigindo-se à execução das penas privativas de liberdade, abria a porta à libertação de presos sob a bandeira de critérios humanistas. O primeiro grande problema é que, para invocarmos pressupostos humanistas para sustentar esta circunstância, teríamos, a meu ver, de estar perante uma catástrofe infetocontagiosa no sistema prisional português. Tal não acontece. Tanto quanto sei, a menos que nos andem a mentir a todos, no universo prisional português há apenas uma funcionária e um guarda infetados com a covid-19. Daqui resulta que o vírus não está dentro das cadeias portuguesas, pelo que aquilo que se deve exigir é que sejam tomadas todas as precauções necessárias para que os reclusos estejam protegidos da entrada do vírus nos estabelecimentos prisionais. Quanto a mim, essa necessidade é mais facilmente garantida com os reclusos a cumprir as penas dentro deles do que a ir para casa, devendo a prevenção sanitária ser feita pela desinfeção dos espaços prisionais e pela reorganização das escalas de trabalho do pessoal que, pelas suas funções, a eles acedem todos os dias. Portanto, sociologicamente, não compreendo estes invocados pressupostos humanistas. Aqui chegados, importa fazer uma avaliação jurídica do que está em causa. Nela, se nenhum cidadão com dois dedos de testa consegue compreender a execução desta medida, nenhum jurista conseguirá igualmente alguma vez fazê-lo. No que respeita ao perdão excecional ao indulto, a forma como é apresentado é um completo vazio hermenêutico. Uma abstração total. O indulto, então, chega mesmo a ser gritante na medida em que a única exigência para a sua aplicação é o recluso ter mais de 65 anos, sem que, no entanto, exclua qualquer categoria de crime. A passagem das saídas administrativas para 45 dias é absolutamente incompreensível. Não se compreendem quais os pressupostos da sua aplicação ou o tempo em que foram definidas. Mas o que mais choca é a ténue avaliação inerente aos juízos de risco criminal que se deveriam aferir caso a caso, recluso a recluso, e que não vão de todo acontecer. Deste juízo de risco criminal, a mim, preocupa-me desde logo o completo esquecimento do critério da reincidência. Não tenhamos qualquer dúvida de que esta medida vai recolocar cá fora reclusos que não reúnem as mínimas condições para que tal suceda. É uma vergonha. E uma vez mais, compreendendo eu que as exigências que uma pandemia coloca a um qualquer Governo não são fáceis, o Governo de Portugal comete nesta matéria mais um erro grosseiro. Choca-me! Choca-me desde logo enquanto jurista, e até deixando a política de parte, que a ministra da Justiça promova e defenda tamanha calinada. Sobretudo porque o que verdadeiramente está aqui em causa, sendo fator impulsionador desta medida, é, quanto a mim, um critério meramente economicista. O Estado quer aproveitar a pandemia para chutar alguns presos para a rua e assim poupar uns trocos. Opta, portanto, por critérios economicistas em detrimento da segurança de todos os cidadãos de bem. Oxalá que para além de uma crise sanitária e económica, a estas não se junte uma de segurança interna. Estou certo de que neste cenário – e é bom que se note, a isso não apelo nem desejo –, perante tanto problema e na incapacidade de a justiça ser exercida por quem a deve exercer, passará a exercê-la o povo, nalguns casos pelas suas próprias mãos. É preciso cuidado e muito mais critério.

Rodrigo Alves Taxa

A quem serve a libertação de presos?


Deste juízo de risco criminal, a mim, preocupa-me desde logo o completo esquecimento do critério da reincidência. Não tenhamos qualquer dúvida de que esta medida vai recolocar cá fora reclusos que não reúnem as mínimas condições para que tal suceda. É uma vergonha. E uma vez mais, compreendendo eu que as exigências que uma pandemia…


Após a renovação do estado de emergência, pese embora o mesmo continue a ser uma coisa meio estranha que dá para nada e, ao mesmo tempo, para quase tudo, passou a destacar-se dentro do leque dos seus preceitos um que, dirigindo-se à execução das penas privativas de liberdade, abria a porta à libertação de presos sob a bandeira de critérios humanistas. O primeiro grande problema é que, para invocarmos pressupostos humanistas para sustentar esta circunstância, teríamos, a meu ver, de estar perante uma catástrofe infetocontagiosa no sistema prisional português. Tal não acontece. Tanto quanto sei, a menos que nos andem a mentir a todos, no universo prisional português há apenas uma funcionária e um guarda infetados com a covid-19. Daqui resulta que o vírus não está dentro das cadeias portuguesas, pelo que aquilo que se deve exigir é que sejam tomadas todas as precauções necessárias para que os reclusos estejam protegidos da entrada do vírus nos estabelecimentos prisionais. Quanto a mim, essa necessidade é mais facilmente garantida com os reclusos a cumprir as penas dentro deles do que a ir para casa, devendo a prevenção sanitária ser feita pela desinfeção dos espaços prisionais e pela reorganização das escalas de trabalho do pessoal que, pelas suas funções, a eles acedem todos os dias. Portanto, sociologicamente, não compreendo estes invocados pressupostos humanistas. Aqui chegados, importa fazer uma avaliação jurídica do que está em causa. Nela, se nenhum cidadão com dois dedos de testa consegue compreender a execução desta medida, nenhum jurista conseguirá igualmente alguma vez fazê-lo. No que respeita ao perdão excecional ao indulto, a forma como é apresentado é um completo vazio hermenêutico. Uma abstração total. O indulto, então, chega mesmo a ser gritante na medida em que a única exigência para a sua aplicação é o recluso ter mais de 65 anos, sem que, no entanto, exclua qualquer categoria de crime. A passagem das saídas administrativas para 45 dias é absolutamente incompreensível. Não se compreendem quais os pressupostos da sua aplicação ou o tempo em que foram definidas. Mas o que mais choca é a ténue avaliação inerente aos juízos de risco criminal que se deveriam aferir caso a caso, recluso a recluso, e que não vão de todo acontecer. Deste juízo de risco criminal, a mim, preocupa-me desde logo o completo esquecimento do critério da reincidência. Não tenhamos qualquer dúvida de que esta medida vai recolocar cá fora reclusos que não reúnem as mínimas condições para que tal suceda. É uma vergonha. E uma vez mais, compreendendo eu que as exigências que uma pandemia coloca a um qualquer Governo não são fáceis, o Governo de Portugal comete nesta matéria mais um erro grosseiro. Choca-me! Choca-me desde logo enquanto jurista, e até deixando a política de parte, que a ministra da Justiça promova e defenda tamanha calinada. Sobretudo porque o que verdadeiramente está aqui em causa, sendo fator impulsionador desta medida, é, quanto a mim, um critério meramente economicista. O Estado quer aproveitar a pandemia para chutar alguns presos para a rua e assim poupar uns trocos. Opta, portanto, por critérios economicistas em detrimento da segurança de todos os cidadãos de bem. Oxalá que para além de uma crise sanitária e económica, a estas não se junte uma de segurança interna. Estou certo de que neste cenário – e é bom que se note, a isso não apelo nem desejo –, perante tanto problema e na incapacidade de a justiça ser exercida por quem a deve exercer, passará a exercê-la o povo, nalguns casos pelas suas próprias mãos. É preciso cuidado e muito mais critério.

Rodrigo Alves Taxa