Hoje foi um dia de festa em Wuhan, com o fim da mais estrita das quarentenas, 76 dias depois. Os seus 11 milhões de habitantes finalmente podem sair da mega-cidade, desde que tenham uma aplicação no telemóvel que mostre que não estiveram em contacto com ninguém infetado e estão de boa saúde.
Noutras cidades da China, as fortes medidas impostas pelas autoridades já foram levantadas. Surpreendentemente, o pesadelo chinês parece, por agora, ter sido praticamente contido em Wuhan, que registou mais de 2500 dos cerca de 3300 mortos devido à covid-19 no país. A questão é como é que tantas cidade como Xangai ou Pequim saíram quase incólumes, enquanto cidades norte-americanas, italianas e espanholas são devastadas.
Talvez Xangai seja o caso mais surpreendente: a cidade, com quase 25 milhões de habitantes, é um pólo do sistema de transportes, partilhando laços económicos fortes com Hubei, a província onde fica Wuhan. Mesmo assim, conseguiram manter o número de casos registados abaixo dos 600, boa parte deles vindos de outros países. “Sem preparação antecipada, um surto poderia sido desastroso”, considerou Zhang Wenhong, diretor do departamento de doenças infecciosas do Hospital Huashan, citado pela Nikkei.
Contudo, as autoridades da cidade aperceberam-se rapidamente do que se estava a passar. Aliás, foi no Centro Clínico de Saúde Pública de Xangai que foi sequenciado o genoma do novo coronavírus, logo no início de janeiro, com base em amostras recolhidas num mercado de Wuhan.
“Era apenas trabalho de rotina. Contudo, ficámos chocados com os resultados”, contou um membro da equipa responsável à Caixin, alertado pela semelhança entre o novo vírus e o SARS. A 5 de janeiro – enquanto as autoridades de Wuhan ainda negavam que o vírus fosse transmissível entre humanos – faziam soar os alarmes, recomendando precauções em locais públicos.
Menos de uma semana depois, uma mulher de 56 anos chegou a Xangai, vinda de Wuhan. Sentia febre, fadiga e ainda andou três dias pela cidade, antes de ser diagnosticada com o novo coronavírus a 15 de janeiro, o primeiro caso registado na cidade. Oficialmente, não fora declarado que o vírus era contagioso entre humanos – mas as autoridades não hesitaram e isolaram imediatamente a paciente.
Há dúvidas que a resposta de Xangai estivesse tão afinada se não fosse o trauma de surtos anteriores, como a gripe das aves, em 2013, o surgimento do SARS, em 2003, e a Hapatite A, em 1988 – provocado por amêijoas infetadas, afetando 310 mil pessoas e fazendo 31 mortos.
Perante a pandemia de covid-19, a cidade apostou logo de início em controlos apertados nos transportes e no rastreamento dos casos. Centenas de funcionários foram colocados a verificar o trajeto de todos os infetados: gabam-se de não haver nenhum caso de origem desconhecida. A isto juntou-se a obrigatoriedade do uso de máscaras e medidas de distanciamento social, impostas em Xangai e Pequim a 10 de fevereiro.
Agora, receia-se uma segunda vaga da pandemia, enquanto aumentam os casos importados de covid-19 na China – já há mais de 200 registados em Xangai. “O segundo pico de uma epidemia é frequentemente mais alto que o primeiro”, avisou Hu Bijie, do Instituto de Investigação de Doenças Respiratórias de Xangai, em declarações à Nikkei.
Por agora, em Wuhan, é tempo de festa. Houve espetáculos de luzes nas margens do rio Yangtze, e milhares de pessoas, ansiosas por ver as suas famílias ou regressar aos seus empregos, dirigiram-se a comboios e aviões. Finalmente puderam partir da “cidade heroica”, como lhe chamou o Presidente chinês, Xi Jingping.
Ainda assim, não houve festa quando o primeiro comboio saído de Wuhan chegou a Xangai. Foram recebidos por funcionários com fatos de proteção, que lhes fizeram uma bateria de testes, avançou a Times. Ao mesmo tempo, reabriram os polémicos mercados de animais vivos de Wuhan, onde se suspeitava ter começado a pandemia – hoje, muitos investigadores duvidam que tenham sido aí a transmissão da covid-19 para humanos.