A Espia. Os alemães, os ingleses e duas espias portuguesas no país de Salazar durante a II Guerra | VÍDEO

A Espia. Os alemães, os ingleses e duas espias portuguesas no país de Salazar durante a II Guerra | VÍDEO


Arranca hoje a primeira temporada da mais recente série da RTP1, uma produção da Ukbar Filmes a partir de uma ideia original de Pandora da Cunha Telles à procura de abalar a ideia instalada do que foi Portugal durante a II Guerra e do que movia os espiões – ou as espias. O i falou – em…


Em tempos de guerra, nem tudo é o que parece. Assim se apresenta A Espia, a série da Ukbar Filmes que chega hoje à RTP1, no primeiro de oito episódios da que será apenas a primeira temporada de uma história passada entre Lisboa, o Porto e a Galiza nos anos da ii Guerra Mundial. E aqui, como na História, à partida, a aparência é a de um país neutral. Estamos em Lisboa, na Estufa Fria, e havemos de dar com Maria João Mascarenhas (Daniela Ruah, no seu regresso à ficção televisiva nacional ao cabo de um interregno de 12 anos) a emocionar-se com a reação de uma criança refugiada ao som de um aviso de que não é mais do que um exercício. Portugal pode não estar em guerra, mas a Lisboa vão chegando os restos da tragédia que assola um continente em guerra.

O ano é o de 1941, e o Portugal de Salazar, de António Ferro e de Duarte Pacheco (com algumas destas personagens havemos de nos cruzar, nem que seja por minutos, nem que seja numa dessas festas em que todos os lados da história que aqui se conta se cruzavam), o país que conhecia já a PVDE (depois PIDE), que tinha já sido ponto de passagem de refugiados da guerra na esperança de chegarem ao destino final – a América –, esse Portugal não só não estava à margem da tensão entre Eixo e Aliados como, depressa notaremos, teme que Hitler também chegue um dia aqui. O problema de Maria João ao ver aquela criança é que Maria João também tem uma filha, Teresinha (Matilde Serrão). E tem uma amiga que, ainda que no Porto, é uma amiga de infância: Rose Lawson (Maria João Bastos) que, em tempos de guerra, encontra a solução para os seus problemas na escolha de um lado. O dos britânicos. E à amiga fará compreender sem dificuldade que, na guerra, difícil é que não se escolha um lado.

É pelas redes de espionagem que em Portugal se moviam nos anos de 1941 e 1942 que nos leva então A Espia, mas em direção a uma em concreto: a rede Shell (a petrolífera britânica), montada pelo advogado John Grossvenor Beevor com a preciosa colaboração de Cândido de Oliveira (treinador da seleção nacional de futebol, que veremos jogar contra a Suíça, mas, mais importante, inspetor dos correios no momento em que foi recrutado – depois de ter sido libertado do Tarrafal, para onde o enviou o regime, fundaria o jornal A Bola), interpretado por Sisley Dias.

Não foi, contudo, a partir de personagens históricos apenas que Pandora da Cunha Telles, com Pablo Iraola, produtora da Ukbar Filmes, de quem partiu a ideia original, queria que se fizesse A Espia. Muito menos a partir de personagens masculinas ao bom estilo de Ian Fleming, que de resto poderia ser ele próprio uma personagem entre as que aqui encontramos — também ele passou nestes anos por Lisboa. “Na primeira versão, esta era a história de uma espia. Mas hoje há uma preocupação com a forma como se contam as histórias. Temos de ter cuidado com a forma como as histórias são contadas”, recorda Pandora Cunha Telles, em conversa com o i. “Ao colocarmos uma mulher no centro, só uma, todos os elementos desafiadores seriam homens”.

Para contornar estereótipos, nada melhor do que agitar a forma como histórias de espiões (e de mulheres da década de 1940) nos vêm sendo contadas. “Se, em vez de uma mulher, fossem duas, deixávamos de lado esse binómio do ‘ah, ela vai ser ativada por um espião’. Porque é que em vez de ser por um espião não pode ser por uma amiga? Continuamos muito presos a essa ideia romântica de que todas as mulheres que começaram a trabalhar nisto começaram por uma questão amorosa. E se não for?”

O que Pandora Cunha Telles e Pablo Iraola queriam era contar-nos uma história de espiões, sim, e uma história de espiões naqueles anos que foram os da II Guerra Mundial a partir de Lisboa. Mas também uma história com protagonistas que falassem não às mulheres da década de 1940, mas às do séc. xxi. “Gosto de histórias de mulheres fortes, de mulheres inspiradoras, livres. Para isso tivemos de criar alguns elementos que pudessem colocá-la [à personagem de Daniela Ruah] num lugar interessante para se tornar espia. No caso, alguém que pudesse ter acesso a vistos de mercadorias [na empresa do sogro] e que, a partir daí, pudesse ser recrutada pelos ingleses”.

E ao ritmo alucinante a que se sucedem pequenos episódios que, juntos, irão construindo as ligações desta teia – de um lado, britânicos, do outro, alemães e, no meio, os portugueses recrutados por cada um dos lados –, as peças vão-se unindo. Mais do que isso, porque a história da Shell e do seu desmantelamento é factual – as personagens vão surgindo como o que realmente são. “Há uma coisa muito importante aqui que sempre disse a toda a gente durante a produção que é: ‘Ninguém é o que parece’. Todas as personagens vão revelar ao longo dos oito episódios que são alguma coisa diferente do que parecem ser no início”. Aos poucos descobriremos então o que move cada uma delas, compreenderemos, por exemplo, que figura estranha é essa de Wilhelm Larenz (Adriano Carvalho), antagonista do também alemão (como não deixa esquecer o sotaque) Siegfried Brenner (Diogo Morgado), à frente de uma empresa de exploração de volfrâmio em Arouca.

“A realidade era esta”, diz-nos Pablo Iraola, que com Pandora Cunha Telles e uma equipa de argumentistas que juntou, numa fase inicial, Rui Cardoso Martins e José de Pina, e depois ainda Raquel Palermo, Cláudia Clemente e Martim Baginha Cardoso, trabalhou na escrita de A Espia, realizada por Jorge Paixão da Costa (com trabalho de realização adicional de João Maia e de Edgar Pêra). “Temos esta ideia de Portugal como país neutral, mas todos passavam por aqui. Os americanos, os italianos, os russos… e tínhamos a ditadura, a PVDE”. E os portugueses? “Sobreviviam. Uns iam para um lado, outros para o outro. Era a sobrevivência. Não havia uma maldade intrínseca. E havia os refugiados que chegavam da Europa. As coisas aqui estavam más, mas sabia-se [através desses que chegavam em fuga] que noutros lugares estavam piores”.

À conversa com Maria João Bastos, Diogo Morgado e Adriano Carvalho.