Os nossos velhos são hoje velhos italianos


O que ficou evidente foi a falta de condições de privacidade e de apoio sanitário e social que, mesmo à margem da crise, os lares realmente oferecem.


“Durante anos, os velhos italianos têm estado a morrer
em toda a América
Durante anos, os velhos italianos com os seus chapéus de feltro desbotados
foram tomando sol e morrendo
Viram-nos nos bancos
no parque em Washington Square
os velhos italianos com os seus botins de abotoar
os velhos com seus antigos chapéus de feltro
         com as fitas desbotadas
foram morrendo e morrendo
                        dia a dia …”

 

Não é por acaso que recordo hoje este poema, já antigo (1979), de Lawrence Ferlinghetti, o poeta da beat generation de que mais gosto: “Os velhos italianos estão a morrer”.

É por falar da morte e da vida dos velhos.

Sim, precisamente desses velhos que têm estado a morrer nos lares para idosos do nosso país e que, de um dia para o outro, deixamos de ver nos bancos dos jardins.

Se há situação que a crise da covid-19 destapou e expôs cruamente em evidência é a de muitos desses lares: a situação em que vivem e morrem muitos dos nossos velhos.

E, com ela, a política de Estado seguida, indistintamente, ao longo de anos, para proteção da velhice.

Quem tiver visitado alguns desses lares, incluindo alguns dos privados e dos mais caros, não ignora a fria desolação que deles ressalta.

O Estado vai transferindo dinheiro para muitos deles, pouco investindo na construção de edifícios de raiz e com condições arquitetónicas e pessoal devidamente habilitado, assim pretendendo desincumbir-se da sua função constitucional.

Se algumas IPSS conseguem, de facto, assegurar-lhes, meritoriamente, condições decentes e razoavelmente humanas de instalações e serviço de apoio, negócios paralelos existem, também eles apoiados com dinheiros públicos, que, visivelmente, nunca cumpriram os requisitos mínimos.

É verdade que muitos estabelecimentos – alguns mais ou menos clandestinos – têm sido encerrados, nos últimos anos, por falta de condições.

Mas é verdade também, como se comprovou agora, que, em geral, poucos estão verdadeiramente preparados, logística e humanamente, para responder com responsabilidade e prontidão a situações graves que possam surgir.

Claro está, ainda, que a crise atual era de todo imprevisível.

Todavia, o que, para além da exceção da crise atual, ficou evidente foi a falta de condições de privacidade e de efetivo apoio sanitário e social que a maioria de tais lares realmente oferecem.

Além disso, ficou evidente alguma descoordenação inicial entre as políticas de saúde e as da segurança social no que diz respeito à antevisão das consequências e das medidas a tomar, de imediato, nos lares.

O desconhecimento visível das condições dos lares por parte da Saúde e a falta de sintonização imediata com aquela, por parte da Segurança Social, poderão ter contribuído muito para o que depois se passou.

Disse já, neste jornal, que depois da crise sanitária nada ficará e poderá ficar como dantes.

Tomar consciência urgente deste problema e encontrar para ele soluções que contrariem o primado neoliberal e malthusiano de que “não há alternativas” é um dever cívico e político que deve congregar os que se revêem na democracia constitucional que Abril nos deu.

Os velhos, como os jovens, têm sido as principais vítimas das crises que o neoliberalismo criou, impediu que se resolvessem bem ou não preveniu; fossem elas crises económicas e financeiras, fossem, como agora, sanitárias e sociais.

A única coisa que soube fazer bem foi virar uns contra os outros.

Uma sociedade decente não pode, porém, prescindir de cuidar do presente e do futuro de ambos.

 


Os nossos velhos são hoje velhos italianos


O que ficou evidente foi a falta de condições de privacidade e de apoio sanitário e social que, mesmo à margem da crise, os lares realmente oferecem.


“Durante anos, os velhos italianos têm estado a morrer
em toda a América
Durante anos, os velhos italianos com os seus chapéus de feltro desbotados
foram tomando sol e morrendo
Viram-nos nos bancos
no parque em Washington Square
os velhos italianos com os seus botins de abotoar
os velhos com seus antigos chapéus de feltro
         com as fitas desbotadas
foram morrendo e morrendo
                        dia a dia …”

 

Não é por acaso que recordo hoje este poema, já antigo (1979), de Lawrence Ferlinghetti, o poeta da beat generation de que mais gosto: “Os velhos italianos estão a morrer”.

É por falar da morte e da vida dos velhos.

Sim, precisamente desses velhos que têm estado a morrer nos lares para idosos do nosso país e que, de um dia para o outro, deixamos de ver nos bancos dos jardins.

Se há situação que a crise da covid-19 destapou e expôs cruamente em evidência é a de muitos desses lares: a situação em que vivem e morrem muitos dos nossos velhos.

E, com ela, a política de Estado seguida, indistintamente, ao longo de anos, para proteção da velhice.

Quem tiver visitado alguns desses lares, incluindo alguns dos privados e dos mais caros, não ignora a fria desolação que deles ressalta.

O Estado vai transferindo dinheiro para muitos deles, pouco investindo na construção de edifícios de raiz e com condições arquitetónicas e pessoal devidamente habilitado, assim pretendendo desincumbir-se da sua função constitucional.

Se algumas IPSS conseguem, de facto, assegurar-lhes, meritoriamente, condições decentes e razoavelmente humanas de instalações e serviço de apoio, negócios paralelos existem, também eles apoiados com dinheiros públicos, que, visivelmente, nunca cumpriram os requisitos mínimos.

É verdade que muitos estabelecimentos – alguns mais ou menos clandestinos – têm sido encerrados, nos últimos anos, por falta de condições.

Mas é verdade também, como se comprovou agora, que, em geral, poucos estão verdadeiramente preparados, logística e humanamente, para responder com responsabilidade e prontidão a situações graves que possam surgir.

Claro está, ainda, que a crise atual era de todo imprevisível.

Todavia, o que, para além da exceção da crise atual, ficou evidente foi a falta de condições de privacidade e de efetivo apoio sanitário e social que a maioria de tais lares realmente oferecem.

Além disso, ficou evidente alguma descoordenação inicial entre as políticas de saúde e as da segurança social no que diz respeito à antevisão das consequências e das medidas a tomar, de imediato, nos lares.

O desconhecimento visível das condições dos lares por parte da Saúde e a falta de sintonização imediata com aquela, por parte da Segurança Social, poderão ter contribuído muito para o que depois se passou.

Disse já, neste jornal, que depois da crise sanitária nada ficará e poderá ficar como dantes.

Tomar consciência urgente deste problema e encontrar para ele soluções que contrariem o primado neoliberal e malthusiano de que “não há alternativas” é um dever cívico e político que deve congregar os que se revêem na democracia constitucional que Abril nos deu.

Os velhos, como os jovens, têm sido as principais vítimas das crises que o neoliberalismo criou, impediu que se resolvessem bem ou não preveniu; fossem elas crises económicas e financeiras, fossem, como agora, sanitárias e sociais.

A única coisa que soube fazer bem foi virar uns contra os outros.

Uma sociedade decente não pode, porém, prescindir de cuidar do presente e do futuro de ambos.