Olhando para os dados oficiais, a Turquia parecia ser uma exceção no meio da pandemia de covid-19. Enquanto o vizinho Irão era devastado pelo vírus, o epicentro da pandemia movia-se para a Europa – mesmo assim, a Turquia só registou o seu primeiro caso a 10 de março. Subitamente, o número de infeções multiplicou-se. Hoje, são mais 27 mil casos, com 574 mortes, indicando que a 10 de março o novo coronavírus já estava à solta no país, sem registo disso. Fosse por falta de testes ou ocultação de dados – ou talvez os dois.
“Sabemos que há muitos mais casos e mais mortes do que diz o ministério [da Saúde] e que não se está a fazer testes suficientes”, assegurou Fadime Kavak, presidente do sindicato dos trabalhadores de saúde do Hospital Okmeydani, em Istambul. “Creio que se dessem as estatísticas reais, as pessoas dariam conta do risco e não sairiam tanto de casa”, disse a sindicalista ao El País – ecoando as críticas de outras organizações de profissionais do setor.
“Ou o Governo está a esconder os números reais ou estão a acontecer coisas tolas na Turquia”, concordou Emrah Altindis, professor na faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, em declarações à BIRN. O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tem recusado medidas mais duras de isolamento social, para evitar danos económicos, ao mesmo tempo que as autoridades locais de Istambul – a cidade mais afetada pelo surto, liderada por um dos principais rivais de Erdogan, Ekrem Imamoglu – exigem ação.
As escolas já foram fechadas, mas o isolamento social só é obrigatório a pessoas com mais de 65 anos, menores de 20 e pacientes com doenças crónicas. “É necessário declarar, quanto antes, um confinamento obrigatório, pelo menos em Istambul”, apelou recentemente no Twitter Imamoglu – na sua cidade, os departamentos de cuidados intensivos já estão à beira do colapso. Enquanto isso, o Governo turco mantém o setor produtivo a pleno vapor. A ideia é capitalizar a quebra na produção dos países competidores, para contrabalançar a crise económica na Turquia, cujas forças armadas se desdobram entre o norte da Síria – combatendo as forças de Bashar al-Assad – e a Líbia, onde enfrentam o general Khalifa Haftar.
A falta de fundos nos cofres do Estado chegou a tal ponto que o próprio Governo pediu doações dos seus cidadãos para combater a covid-19. Terão recebido o equivalente a mais de 150 milhões de euros, de empresários turcos – e congelado contas bancárias de presidentes da câmara opositores quando pediram doações também. O Governo acusou-os de querer criar “um Estado dentro de um Estado”, nas palavras de Erdogan.
“A situação está fora de controlo na Turquia. Se as medidas necessárias não forem tomadas, a Turquia será como Itália ou Espanha, onde a contagem diária dos mortos está nas centenas”, avisou Altindis. Para o professor de Harvard, “o Governo turco está a fazer propaganda para mostrar que o processo está a ser bem gerido”.