Criado em 1958 por Berck (Arthur Berckmans, Lovaina, 1929) com argumentos de René Goscinny (1926-1977), Strapontam, fardado e ao volante de uma dona-elvira amarela, não é o taxista das voltas ao obelisco da Praça da Concórdia, mas antes o chofer das corridas improváveis… Strapontam, para respeitar a fonética original do nome deste motorista bonacheirão, Strapontin, e não acontecer o que se passou com Tintin, que entre nós nunca foi Tantam, a não ser para quantos frequentaram o Liceu Francês…
Publicado na revista Tintin belga em 1961 e, no ano seguinte, em álbum, Strapontam e o Monstro de Loch Ness fala-nos de uma deslocação à Escócia a pedido de um amigo, o Professor Feijão Verde (Petitpois, no original) – o cientista que descobriu o carburador em pó… –, para que o filho, o jovem Wimpy, aperfeiçoe o inglês, numa temporada no castelo do velho tio Mac Lloyd, situado à beira do célebre Loch Ness. Com ambos segue o cão Gerardo, cujas características antecipam de algum modo uma outra criação de Goscinny, agora com Morris: Rantanplan, o cão mais estúpido do Oeste, surgido no álbum de Lucky Luke, também em 1962, Na Pista dos Dalton.
Goscinny tira partido das idiossincrasias dos britânicos: a condução à direita, a horrível dieta à base de carneiro cozido, molho de hortelã e plum pudding, aliás, o tipo de humor que vamos encontrar em Astérix entre os Bretões (1965) – na Escócia, problemas com falsários de uísque, a personalidade forte dos escoceses, com os seus kilts e gaitas de foles, e o inevitável Nessie.
Na segunda história, Strapontam e o Gorila (1962), o taxista acompanha Feijão Verde, Wimpy e Gerardo ao território de Grododo, onde coexistem os grandes símios e os acérrimos Molomolós. O professor desta vez engendrara um extrato à base de hormonas de peixe, cabeças de fósforo e cenouras, suscetível de desenvolver a inteligência dos primatas, ao ponto de pôr o gorila a falar latim – ou seja, Goscinny puro, com uma certa inversão do paternalismo, em que os indígenas, por entre os trajes e práticas tradicionais, exibem um discurso de habitantes sofisticados de grandes metrópoles. O mesmo sucederá com Astérix…
O traço de Berck é muito característico. Vindo da BD religiosa, publicada pelos jesuítas belgas, as suas influências são os comics americanos. Parece haver ali algum reflexo de Chester Gould (Dick Tracy), adaptado à sensibilidade infantojuvenil da época e, comprovadamente, de E. C. Segar, o criador de Popeye – o nome da personagem Wimpy é uma homenagem àquele, evocando o inenarrável comilão de hambúrgueres. Em suma, pode dizer-se, entre o desenho característico de Berck e o humor álacre de Goscinny, que a série envelheceu mas bem, apesar de tudo.
Strapontam e o Monstro de Loch Ness, seguido de Strapontam e o Gorila
Texto René Goscinny
Desenho Berck
Edição Editorial Íbis, Lisboa, 1965
BDTECA
Maluquinhos dos automóveis E já que se falou de táxis e donas-elviras, um destaque para uma série de gags sobre aquela malta doida por clássicos. E quem pode censurá-los? É um gosto ver em BD carros bem esgalhados, de Jean Graton a Maurice Tillieux: um Triumph Spitfire, um MGB GT, um dois-cavalos, um boca-de-sapo ou uma arrastadeira – três Citroën carismáticos – e as manias dos donos… Textos de Christophe Cazenove e Hervé Richez e desenhos de Bloz, Les Fondus de Voitures de Collection, edição Bamboo.
Mary Jane Mary Jane, jovem de 19 anos, já viúva de um mineiro, ganha Londres para tentar ganhar a vida. A cidade da miséria das classes trabalhadoras, dos alcouces para as mulheres desamparadas que daquelas saem, e de Jack o Estripador. Os autores são de primeira água: Frank Le Gall (texto) e Damien Cuvillier (desenhos). Edição Futuropolis.
Do êxtase BD autobiográfica de Jean-Louis Tripp, autor, com Régis Loisel, da magnífica série Armazém Geral, é seu propósito, neste segundo tomo de Extases (edição Casterman), tratar do sexo e mostrá-lo tão natural quanto deveria, no que é para o autor um statement político: quem se sente bem com o corpo e a sexualidade inerente é mais livre e precisa menos de tutelas, algo que desagrada a quantos pretendem cercear a liberdade individual.