Os portugueses mais velhos sempre sofreram muito


A pandemia atual é mais uma provação numa vida difícil, cheia de superações e de dificuldades.


1. São grande parte da população. São os mais desprotegidos. São os mais pobres. São os mais expostos à doença. São os que mais sacrifícios fizeram. São os que muito trabalharam. São os que menos receberam. São, obviamente, os mais velhos, sobretudo os que estão perto ou acima dos 70. Hoje são os mais vulneráveis a um vírus que, mais uma vez, veio do Oriente, avançando devastadoramente. Impondo na sua disseminação uma emergência e um isolamento que vai durar muito tempo e cujas consequências estão a ser catastróficas.

Quem já era adulto ou jovem no 25 de Abril, independentemente da sua circunstância social e até política, viveu num país colonial e em ditadura, atrasado, triste e com um nível de educação baixíssimo, comparativamente aos europeus ocidentais. A queda de Salazar da cadeira moderou o regime, mas não o mudou. A emigração foi para muitos a fuga à fome, à miséria ou à guerra, por convicção ou medo. Só a revolução pôs fim ao regime de 48 anos, trazendo liberdade, democracia. Mas, ao mesmo tempo, trouxe uma descolonização dramática e um enorme choque para muitas centenas de milhares. Uns retornaram. Outros fugiram de cá. A Guerra Colonial tinha acabado, tirando o pesadelo a muitos. Durante um tempo louco multiplicaram-se ditadores potenciais, agora de sinal contrário ao anterior. A economia também colapsou. Há quem não saiba, mas houve racionamento. Não havia dinheiro e muitos bens essenciais. Para uns era aterrador, para outros era uma festa.

Mais tarde estabilizou-se a democracia e iniciou-se a reconstrução de um país praticamente a partir do zero. Chegou-se a uma normalização mínima em alguns anos difíceis, o que permitiu uma entrada para a CEE, basicamente para nos manter na democracia do Ocidente. Até à adesão e depois dela, apesar dos progressos e crescimento, sucederam-se crises políticas, tensões, intervenções financeiras do FMI e de uma troika, depois de várias bancarrotas. A estabilidade durou sensivelmente entre meados dos anos 80 e 2000. A crise de 2008 apanhou Portugal em cheio e o país chegou a ser ostracizado por alguns outros. Melhor ou pior, tudo se foi superando com a dinâmica dos mais velhos e das gerações seguintes, mais recentes e mais preparadas. Esses mais velhos foram resistindo e fazendo a sua vida, esperando alguma tranquilidade futura num mundo complexo e digitalizado, para o bem e para o mal. Muitos, porém, viveram sempre pobres e em sacrifício. São esses os que mais riscos correm agora. São os mais isolados e mais indefesos. Não são, obviamente, a prioridade para a defesa da espécie. Mas, como não somos animais, é para eles que tem de ir grande parte dos esforços. Ao menos que no inferno dos lares ou da solidão saibam e tenham a prova de que os outros portugueses e os responsáveis sanitários e políticos não esquecem tudo aquilo por que passaram e lhes deem toda a prioridade. As notícias sobre os lares são altamente preocupantes e chegam de instituições legais. Mas não se pode ignorar que há muitas outras que funcionam clandestinamente em circunstâncias quotidianamente aterradoras e que importa investigar, agora mais do que nunca. Somos dos povos mais pobres da Europa comunitária. É verdade que há no mundo dezenas e dezenas de milhões de pessoas e muitos países pior do que Portugal. Mas isso não impede que vejamos, hoje, que a vida não nos foi fácil e que coletivamente fizemos muitos erros. Deveríamos estar melhor em muitos aspetos, começando na proteção dos mais velhos e no sistema nacional de saúde. Não é este o momento de repensar o futuro. Mas quando esse tempo chegar, teremos muito para rever.

 

2. São milhares de milhões de dólares, euros e outras moedas que serão precisos para ultrapassar a crise. Um dos problemas é que não há hipótese de os imprimir em quantidade suficiente. O dinheiro físico tende a rarear e mesmo a desaparecer. Tudo é mais virtual do que material. Tudo, hoje, já é um pouco bitcoin. Muito está suportado em informática, em telemática e por aí fora. Existem os bens materiais de que necessitamos, mas quase não existe dinheiro físico. Se um dia colapsasse esse fluxo virtual e a informática que o suporta, o cenário seria absolutamente dramático. E não se diga que não pode acontecer, porque estamos a ver tantas coisas que achávamos impossíveis, como um mundo em convulsão e a China a tomar conta do planeta.

 

3. Há matérias que desapareceram da agenda política portuguesa, mas que não podemos ignorar. Uma tem a ver com os incêndios que nos flagelam todos os anos. O calor vai chegar não tarda. Em que ponto estamos? Que meios temos? Como estão equipados os bombeiros? Que meios aéreos estão disponíveis? Quem os controla? São de quem? Quanto custam? O que se passou há anos foi vergonhoso. O Governo é o mesmo e hoje está focado noutra frente. Mas a dos fogos não pode ser esquecida. A limpeza da floresta pública e privada, obviamente, não foi feita. Como vai ser?

 

4. Outra matéria tem a ver com os recursos hídricos. Portugal precisa de água e tem pouca. A chuva destes dias não altera a situação de seca, que é severa nalgumas zonas. Dependemos das nossas reservas e da água que vem de Espanha. Ora, os nossos vizinhos não têm hesitado em açambarcar a deles e o Governo português pouco ou nada conseguiu fazer contra isso. Em que ponto estamos? O que está a ser feito? É natural que estejamos individualmente a gastar muito mais do que é hábito, face à pandemia e à necessidade de mantermos uma condição sanitária muito cuidada. Não podemos, de hoje para amanhã, ser surpreendidos com situações que devem ser prevenidas desde já. O ministro do Ambiente tem a palavra e tem de atuar. A circunstância de estarmos em boa relação com a Espanha pode permitir garantir os caudais que estão estabelecidos e que nos são essenciais. Há que prevenir.

 

Escreve à quarta-feira