Ainda que a era dos PIIGS tenha tido o seu fim, a má reputação atormenta-nos e persegue-nos, mesmo quando o passado não é relevante para a negociação. Prova disso, foi a recente reacção dos Países Baixos (Holanda) ao "pedido de ajuda interno" para fazer face à crise económica proveniente da pandemia que se alastrou pelo Mundo. Em resposta, sentimos na pele, da parte dos nossos parceiros da UE, mais a Norte, na voz da Holanda, a arrogância e uma linha de pensamento que, noutro contexto, se poderia confundir com bullying psicológico. A injúria não foi dirigida a Portugal, mas a "nuestros hermanos" e, indiretamente, aos nossos aliados pejorativos PIIGS.
A frieza holandesa, que infelizmente não se deveu a um comportamento impulsivo, reflectiu-se numa argumentação desproporcional, irresponsável, injustificada e expurgada do mínimo de solidariedade. E evidenciou, ainda mais, o clima de crispação no seio do Eurogrupo. E isto, sem razão aparente. Ora, a Holanda é um dos países que mais beneficia com o mercado da zona euro e que, face ao seu proveito anual, tem contribuído de forma irrisória para o orçamento comunitário. É de assinalar que, em 2018, contribuiu apenas com 0,83% do Rendimento Nacional Bruto, estimando-se, contudo, que com a livre circulação de pessoas, bens, mercadorias, serviços e capitais, terá lucrado cerca de 85 milhões de euros. O desleal sistema fiscal definido para atrair holdings, que inexplicavelmente mantém em prejuízo dos demais estados membros, é uma fonte privilegiada de receitas. Curiosamente, tal como a Holanda, os restantes países desalinhados com a vontade da maioria do Eurogrupo para avançar com a emissão de corona bonds, são os que mais lucram com o mercado interno da UE. E, apesar de serem devedores de solidariedade aos restantes, pretendem permanecer, neste momento particular de apelo à cooperação e de emergência global de saúde pública, como maus pagadores de união e compreensão.
Não conheço motivo mais válido que a saúde e bem-estar dos cidadãos europeus, para justificar a determinação imediata e conjunta do Eurogrupo. A emissão de dívida é o único instrumento financeiro para mitigar esta crise no espaço europeu. Se assim não se entender, o plano anti-covid19 e o eterno projecto europeu, este último em constante evolução sem qualquer fim à vista (a fazer lembrar o para sempre inacabado ex-líbris de Barcelona), morrerão da maior pandemia conhecida à data no século XXI.
Por estarmos perante um momento decisivo para a UE, é tempo de pôr de lado as divisões e subgrupos enraizados. A oportunidade é única e não haverá outra ocasião para investir na união e na estabilidade. Vivemos uma época de terror na Europa, somos o continente com o maior número de vítimas da Covid-19. Assistimos à distância, de mãos atadas, impotentes, às chocantes imagens e ao número diário de mortos que nos chegam dos países membros Espanha e Itália. Foram e continuam a ser dias angustiantes para todos. E o apoio da UE? O que já fez para ajudar? Perdem-se em reuniões entre órgãos e estruturas orgânicas complexas, que apenas se têm revelado ineficientes e incompetentes para a grandeza da sua missão. Ainda que tenham lançado, de forma avulsa, algumas medidas importantes e inéditas, elas demorarão a chegar aos destinatários mais carenciados. Os cidadãos europeus não compreendem nem perdoam este silêncio, inactividade, falta de reacção e persistente despreocupação por parte da UE. E questionam, legitimamente, face à inércia de quem se esperava amparo, de que nos serve pertencer a esta união económica e política? Concentremo-nos, por isso, em relembrar as vítimas e apoiar os sobreviventes. Que todos os dias, sem excepção, se assinale um minuto de silêncio pelos cidadãos que perderam a vida devido a este flagelo que assolou o nosso planeta. E, porque não, pela queda anunciada da UE que não apoiou devidamente a economia dos países membros.
Na eventualidade de me vir a equivocar sobre o futuro da UE, fica aqui prometido (com a segurança de contar com a concordância dos países do Sul da Europa), que, depois de ultrapassado este duro confronto, e no cenário de virmos a contar com a emissão conjunta de corona bonds, vou tirar proveito da falsa reputação, atribuída pelo ex-presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, e comemorar no seu país natal. Existe melhor local para comemorar que Amesterdão?