O espaço por excelência da educação deixou de ser a escola e é agora tempo de reinventar a forma de ensinar, pelo menos até as escolas poderem começar a receber os alunos novamente. Estar em casa não é sinónimo de férias, o que obrigou as instituições e os professores a arranjar alternativas de ensino à distância. E é preciso muita imaginação para captar a atenção dos alunos que estão em casa. As videochamadas são a opção mais popular – em várias plataformas – e há gostos para tudo: professores que encenam As Minas de Salomão, de Eça de Queirós, para dar início ao estudo da obra, outros que pedem aos alunos que desenhem o que têm em casa, e pode ser até um rolo de papel higiénico, ou professores de matemática que ensinam a calcular a área da caixa de cereais do pequeno-almoço. Todas estas opções são válidas.
E, no meio de uma pandemia e do dever de estar em casa, podem nascer novas oportunidades para o ensino. “Nada substituiu o ensino presencial, mas esta é a altura ideal para saltar para o digital”, explica ao i Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), acrescentando que esta pode ser uma oportunidade para os mais céticos e para aqueles que não acreditam nas novas tecnologias perceberem que afinal os computadores e a internet podem ser uma ajuda preciosa no mundo da aprendizagem – nos trabalhos de casa e como complemento durante as aulas. “Estamos a aprender outras formas de trabalhar, estamos a reinventar o ensino e no futuro até podem ser implementados os manuais digitais, o que pode depois reduzir até o peso das mochilas”, diz Filinto Lima.
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É também nesta linha de adaptação que trabalha Ana João, professora de matemática no Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia. Ainda que as orientações do Ministério da Educação indiquem que os professores devem fazer apenas revisões de conteúdos, Ana João já começou a dar matéria nova aos seus alunos do 7º ano através da plataforma Zoom. E aqui há muitos pontos positivos que podem ser aproveitados para o futuro: “Primeiro, os alunos não conversam tanto, depois estão muito mais preocupados uns com os outros – se um aluno não está a conseguir ver, os outros avisam logo –, e isso não se via antes nas aulas”. “Os meus alunos estão sedentos de aulas”, diz a professora, que admite que vai continuar, mesmo quando voltar para a escola, a utilizar as plataformas digitais. Além disso, “isto é uma experiência para o que pode acontecer no terceiro período”, caso as aulas continuem a ser dadas à distância.
“Há também uma coisa que eu acho que vai mudar: os afetos e a solidariedade entre os mais novos. Os alunos têm saudades da escola”, disse docente de matemática. A opinião é unânime e Filinto Lima explica que “os alunos vão passar a gostar ainda mais do recreio, dos professores e dos colegas”, porque estão agora confinados aos espaços das suas casas, sem o convívio a que estavam habituados.
Do lado dos pais, o sentimento é também o mesmo. Há problemas que têm de ser resolvidos, mas existem bons exemplos para guardar, até porque “é em tempos de crise que se cresce e evolui”, refere ao i Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais. “Com isto, os alunos aprendem o sentido de responsabilidade e de autonomia e acabam até por ganhar uma maior autonomia”, explica, acrescentando que esta é a altura “para passar uma mensagem de oportunidade e empenho”. Mesmo para os pais, o facto de o ensino estar confinado à tecnologia, “só veio confirmar que, afinal, utilizar novas formas de ensino não é assim tão transcendente”.
Por outro lado, para alguns pais, ficar em casa é uma “prova de fogo, porque é preciso assumir um bocadinho o papel de professor e estar sempre em cima”, diz Liliana, mãe de um aluno do 10.º ano. As dúvidas surgem constantemente e Liliana sente que não tem capacidade para ajudar, mas que, ainda assim, as trocas de e-mails e vídeos com os professores são uma grande ajuda. “E acho que no futuro eles vão dar mais valor à escola e, por exemplo, se calhar os professores até vão passar a enviar mais trabalhos por e-mail, ou fazer vídeos, ou arranjar outras formas para ensinar que os cativem mais. Talvez esta pandemia seja um teste forçado à inovação”, acrescentou Liliana.
Ultrapassar os problemas A oportunidade para levar a tecnologia para o futuro não é uma tarefa simples, já que a digitalização do ensino traz consigo a evidência das desigualdades entre alunos. Há crianças e jovens que não têm computador ou acesso à internet. Esta é, para Filinto Lima, a oportunidade de o Governo colmatar uma falha que se verifica há muito tempo, através da atribuição do material necessário. Aliás, neste momento, algumas escolas emprestam computadores aos alunos que não têm. “Ter um computador em casa não é um luxo, por isso o Ministério da Economia e da Transição Digital tem de fazer mais e fazer essa tal transição digital nas escolas”, acrescenta o presidente da ANDAEP.
Do lado dos alunos, e sobretudo daqueles que têm exames nacionais e estão a um passo de entrar na faculdade, a situação não é animadora. “Não sabemos como é que vai ser, não sabemos se vamos ter exames, ou como e quando é que vamos entrar para a faculdade”, diz Eduarda Martins, aluna do 12.º ano. Para esta aluna, que vive no concelho de Oliveira do Hospital, “não há nada de bom em ter aulas à distância”, tendo em conta que “há alguns alunos que não têm computador e não podem fazer nada”. As fichas e documentos vão chegando a Eduarda Martins através do e-mail e a aluna acaba por fazer a gestão do seu tempo e, mesmo sem indicação, já começou a estudar matéria que ainda não foi dada pelos professores.
E, se os mais velhos querem a situação resolvida por causa dos exames, os mais novos estão ansiosos por voltar às rotinas. “A minha filha prepara a mala todos os dias de manhã e ontem até a pendurou à porta e disse que já tinha as bolachinhas para levar”, contou a mãe da Clara, de cinco anos. Neste momento, a pergunta que mais se ouve lá em casa é: “Quando é que começa a escola?”.