Nem helicopter money a caminho nem coronabonds para todos


A pandemia de covid-19 tem um potencial recessivo só comparável ao episódio de 1929. A primeira grande vítima poderá ser o euro, seguido da União Europeia.


Uma recessão à escala planetária, com uma contracção simultânea do consumo e da produção num contexto de taxas de juro historicamente baixas, próximas do zero ou em terrenos já negativos, torna mais evidentes as limitações das políticas monetária, orçamental, fiscal e cambial como instrumentos anti-recessivos. Na União Europeia, máxime na zona euro, as limitações são exponencialmente aumentadas pela esquizofrenia da mutualização das políticas monetária, orçamental e cambial sem que haja uma mutualização da dívida dos Estados-membros. A crise de 2008 demonstrou à saciedade os perigos associados a este modelo. Em 2020, a eventual saída do euro já não resultará da punição dos incumpridores das regras orçamentais, como se tentou fazer na anterior crise, com a tentativa de uma expulsão “exemplar” e punitiva da Grécia. Nos próximos meses, a saída do euro poderá ser voluntariamente procurada pela Alemanha, eternamente abraçada à memória da hiperinflação causada pela crise de 1929. Sem a Alemanha, o euro desaparece e voltaremos às moedas nacionais. A dimensão da dor causada por esta transição dependerá da taxa de conversão do euro para a futura moeda lusitana, cuja denominação sugiro seja objecto de referendo que escolha entre “o centeno” e “o ronaldo”, não voltando ao passado do escudo.

Na autópsia da crise de 1929, nunca houve acordo entre keynesianos e monetaristas (admitindo que os segundos não são uma dissidência dos primeiros, de quem usam as ferramentas de análise). Milton Friedman, que dedicou vários estudos à história económica dos EUA, considerou que a Grande Depressão se prolongou por culpa da Reserva Federal, que restringiu a política monetária. Tal não o impediu de considerar que há limites, quantitativos e temporais, para os efeitos que podem ser obtidos pela política monetária no controlo da inflação, da taxa de juro, do nível de emprego e do crescimento económico. A expressão helicopter money, que anda na boca de toda a gente, foi empregue por Friedman numa conferência no final de 1967 e vertida para um artigo publicado na American Economic Review em Março de 1968.

O helicopter money seria um equivalente acelerado da metáfora de Keynes a propósito do efeito expansionista da política monetária com a colocação de dinheiro em garrafas que seriam enterradas e depois recuperadas pelos cidadãos. No entretanto, aprendemos a incluir nas análises económicas um pouco mais de psicologia. A escolha do momento certo para a distribuição de helicopter money é fundamental. Não tendo ainda sido atingido o auge da pandemia, há limitações objectivas à normal actividade económica e subjectivas quanto ao momento de a retomar. Por enquanto, o helicopter money tem de revestir uma natureza assistencial, garantindo a manutenção de rendimentos na ausência de actividade económica e assegurando os consumos mínimos necessários à subsistência das famílias e das empresas.

Mas mesmo esta versão mínima, que tem estado a ser desenvolvida por todos os Estados da UE e – pasme-se – pelos EUA (com a decisão estadual de dar 1200 dólares a cada indivíduo adulto num país que não tem segurança social), tem custos orçamentais significativos. Pelo lado da UE suspendeu-se a aplicação do Tratado Orçamental (limites ao défice) e o BCE aprovou já o “Programa temporário de compras de emergência por pandemia”, com um envelope de 750 mil milhões de euros, a acrescer aos restantes programas de compra de dívida emitida pelos Estados-membros.

Não é pouco. Mas não é suficiente.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990