Não foi assim que Hollywood imaginou uma pandemia. Como o coronavírus vai infetar a indústria do cinema

Não foi assim que Hollywood imaginou uma pandemia. Como o coronavírus vai infetar a indústria do cinema


Os tentáculos da pandemia do novo coronavírus atingem todo o setor cultural e a indústria do cinema também não escapa.


Não podemos voar para os Estados Unidos, mas não é por isso que deixamos de poder observar a sua situação, nomeadamente, a de Hollywood, mergulhada no caos. Produções de filmes e séries canceladas, cinemas encerrados… Segundo a Variety, revista norte-americana especializada em cinema, o bairro que é o símbolo maior da indústria do entretenimento está a encontrar dificuldades em responder a três grandes problemas: Quão grandes vão ser as perdas financeiras dos estúdios? Como é que os efeitos dos cancelamentos se vão sentir nos trabalhadores mais precários? Como é que as interrupções das produções vão afetar o tradicional calendário de Hollywood?

À data em que Cynthia Littleton e Elaine Low escrevram "Hollywood Braces for Coronavirus Financial Hit That Could Change the Industry Forever", publicado a 16 de março, já apenas as cadeias de cinemas CMX Cinemas e Studio Movie Grill se encontravam abertas e em registo restrito. Juntas, estas duas cadeias têm 763 ecrãs espalhados por todo o país. Em comparação, a AMC Theatres, a maior cadeia de cinema do mundo, sediada nos EUA, tem 8043 ecrãs e encontra-se encerrada. 

O encerramento dos cinemas por todo o país resultou numa redução dos lucros das bilheiteiras. No fim de semana anterior a este, o lucro registado tinha já sido de 55,3 milhões de dólares, o mais baixo desde setembro de 2000.

“'Se ficares doente, a culpa é tua’. Durante uma pandemia, meu.”

Estas quebras financeiras estão já a levar ao receio de uma onda de despedimentos em Hollywood. Uma onda que irá afetar não só guionistas e produtores, que têm feito experiências de reuniões de trabalho online, como também trabalhadores intermitentes que não têm como desempenhar as suas funções em teletrabalho, como é o caso dos técnicos.

“Os trabalhadores que recebem menos, têm cuidados de saúde com menos qualidade e piores condições para os utilizar e estão a ser pressionados para continuar a exporem-se e a aparecerem [para trabalhar]”, disse um assistente de produção. “Se ficarmos em casa, podemos usar dias de folga, mas se ficarmos sem folgas, não seremos pagos. … Mas os meus chefes continuam a ter uma atitude de 'se ficares doente, a culpa é tua'. Durante uma pandemia, meu."

Num set de filmagens diferente, dentro da mesma cidade, as gravações da série Stranger Things foram canceladas no dia 13 de março. O produtor e realizador da série, Shawn Levy, explicou também à Variety como é que a Netflix reagiu a esta situação: "A Netflix concordou pagar à equipa dois turnos de 40 horas semanais durante o hiato", disse. "Estou feliz que a Netflix esteja a fazer o correto para a saúde e bem estar das pessoas que trabalham nesta série".

Cancelado e sem uma data prevista para regressar

Tal como muitos dos eventos desportivos, como as Olimpíadas ou o Europeu de Futebol, também muitas produções ou estreias tiveram de ser interrompidas ou adiadas pelos seus estúdios devido ao risco de propagação da doença.

Entre eles estão a estreia do filme da Marvel Viúva Negra, que pertence aos estúdios da Disney e que era suposto estar nos cinemas dia 1 de maio, assim como a série The Falcon and the Winter Soldier, cuja produção, que estava a acontecer na República Checa, entrou num hiato. Estes estúdios adiaram ainda filmes como The Personal History of David Copperfield e The Woman in the Window, ou a tão aguardada estreia do remake em live-action de Mulan.

E não são os únicos. Velocidade Furiosa 9 foi adiado para 2021, o que resultou em perdas de milhões de dólares em termos de campanhas de marketing, e o mais recente filme da saga James Bond, 007: Sem Tempo Para Morrer, foi adiado para novembro.

Talk shows como The Tonight Show Starring Jimmy Fallon, The Late Show With Stephen Colbert, Late Night With Seth Meyers, Full Frontal With Samantha Bee, Last Week Tonight With John Oliver, Watch What Happens Live With Andy Cohen, e The Daily Show With Trevor Noah têm gravado, à semelhança do que começou a acontecer na televisão portuguesa, os seus programas sem audiência.

Grandes executivos confessaram em privado à Variety que têm estado a trabalhar com previsões bastante negras: provalvelmente apenas “os mais fortes” vão sobreviver e podem esperar-se “mudanças drásticas” para o mundo pós-corona.

“Quando há uma recessão, existe sempre uma diminuição do rebanho", disse Rob Gabel, CEO da Tubular Labs, empresa líder mundial em análise de vídeo social e inteligência de vídeo para ajudar a crescer e monetizar seus negócios. "Se não és um evento de frente, ou o número 1 ou 2 do teu nicho, vais estar com problemas. A questão é: 'És um evento obrigatório ou um evento agradável?' É a sobrevivência do mais apto."

O CEO antevê também um possível fim de muitas tradições da “indústria”, referindo-se aos festivais de cinema.

Os adiamentos do lançamento dos filmes e dos festivais de cinema vão afetar o calendário tradicional de Hollywood e as suas entregas de prémios. Com a impossibilidade de viajar, as campanhas promocionais para os prémios das indústrias e todas as campanhas de marketing vão ter de ser adiadas ou canceladas.

Perante as novas circunstâncias, os players que se encontram mais bem posicionados para lucrar com a crise gerada pela pandemia são os mais recentes serviços de streaming como o Disney Plus, a HBO Max e a Peacock, que, mesmo com as produções paradas, com o mundo fechado em casa, esperaram um crescimento no seu número de clientes.