A pandemia da covid-19 passará um dia e as sociedades irão reorganizar-se. Agora, o que há a fazer é combater a infeção mundial por todos os meios, tentar descobrir uma vacina e preparar os povos para uma situação que deverá ter muitas vagas e que, inevitavelmente, vai contaminar grande parte dos humanos.
Em Portugal verificámos que as medidas foram sendo tomadas à medida que as coisas iam evoluindo, mas sem uma proatividade de antecipação em muitos campos, como foi manifestamente o caso dos aeroportos, que têm funcionado sem qualquer controlo, o que sucedeu também nas outras fronteiras, salvo a dos cruzeiros. O grande alerta e mais ouvido foi do deputado Batista Leite, que falou com uma enorme postura de Estado, a partir da bancada do PSD.
O que agora sofremos é inédito pela dimensão, mas não é a primeira pandemia deste século. Antes houve o VIH e a gripe A, sendo hoje a primeira infeção uma doença crónica, e a segunda já não assusta do mesmo modo.
Ancestralmente houve surtos que foram ainda mais aterradores, como a pneumónica de há cem anos e a peste negra, que dizimaram grande parte da humanidade. Uma coisa que não mudou quando o surto é grande é a solução, enquanto não aparece um medicamento. Desde sempre que a propagação se evita basicamente da mesma maneira, ou seja, através do isolamento social. Nesse sentido, as coisas não mudaram, porque o “bicho homem” não mudou biologicamente.
Hoje, a ciência tem mais meios de defesa para o ser humano, que também está dotado de um gigantesco aparelho de comunicação que, em décimas de segundo, pode alertar todo o planeta para qualquer coisa que se passe, o que é positivo. Há, porém, pontos vulneráveis nessa rede gigantesca, o maior dos quais é o perigo de manipulação e de alarmismo a que temos assistido. A maldade também nos é inata, assim como a ganância, que não se pode confundir com o instinto de sobrevivência e a autodefesa.
No ponto atual sabemos que a pandemia está a crescer perigosamente e assim vai continuar, o que é inevitável num mundo onde a livre circulação se tornou absolutamente comum e, até agora, se viajava de avião com a mesma facilidade com que se apanhava um autocarro há 20 anos.
Há, portanto, uma relação direta entre a propagação e o tipo de vida do homem deste século, cuja mobilidade se multiplicou muitas vezes.
A grande crise financeira de 2008 mudou imensas coisas e muitos procedimentos no mundo. Mas, em substância, não alterou o comportamento humano e a ânsia que temos de viajar, de nos deslocarmos e de andarmos sempre em movimento. O fluxo multiplicou-se logo que houve dinheiro.
Agora é diferente: a crise, muito mais que financeira, é económica e, acima de tudo, é sanitária. Tem por base de propagação o comportamento. E por isso vai deixar sequelas profundas na sociedade e obrigar-nos a mudar muitas coisas, mesmo que seja debelada num tempo recorde, o que não parece ser o caso.
Em todo o mundo, em todas as casas, cada um tem de encontrar a resiliência para resistir, para ter cuidado e para minimizar os riscos. O vírus é mais perigoso para os mais velhos e os mais frágeis, mas todos podem apanhá-lo e transmiti-lo.
Temos de acreditar e cerrar fileiras. Estamos em guerra. E quando ela acabar teremos de recomeçar um quotidiano baseado ainda numa economia de mobilidade mas, inevitavelmente, muitas coisas irão mudar. Não sabemos quais nem exatamente quando. Um exemplo do que se está a passar tem a ver com a desmaterialização dos postos de trabalho. Já se sabia que era possível e muitos trabalhavam à distância, mas não se tinha a noção de que havia muitos mais que tinham essa possibilidade.
Mas isso é apenas uma pequena particularidade porque – não tenhamos dúvidas -, depois da crise da covid-19, muitas coisas terão de mudar radicalmente, sob pena de um cenário dramático, catastrófico e imprevisível poder repetir-se. Sobre isso, é bom não ter dúvidas.
O primeiro valor a preservar, nesta altura, é o da saúde e da vida humana. Não há humanidade B. Já o planeta, que o homem tanto tem destruído e agredido, tem uma invulgar capacidade de recuperação e permanecerá muito para além da espécie quando ela se extinguir, como já sucedeu a muitas outras.
Escreve à quarta-feira