Há uns meses, Rita preparava o quarto de Maria Rita que, segundo as contas, vai nascer em abril. Hoje, não sai de casa, está a escrever um diário para um dia contar esta história à sua primeira filha e os últimos retoques no quarto da bebé terão de ficar para outra altura. Estar confinada ao espaço de um apartamento traz ansiedade, mas a preocupação aumenta quando pensa em duas coisas: que vai ter a filha “no meio deste caos” e que não pode ter a presença do marido durante o parto. Neste momento, Rita dispensou a empregada, para evitar ao máximo o contacto com pessoas, e o marido, que trabalha a partir de casa, só sai para ir às compras – e, claro, com as devidas precauções, que passam pelo uso de luvas e máscara.
“É um bocado egoísta, mas a minha filha só vai conhecer os avós passados três meses”, diz Rita, que acrescenta que os pais vivem em Braga. A questão da ansiedade, que aumenta à medida que é dito às grávidas que não podem sair de casa e que as notícias dão conta do aumento do número de casos de infeção pelo novo coronavírus, é um fator que tem de ser tido em conta. Diogo Ayres de Campos, secretário-geral da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia, explicou ao i que os profissionais de saúde estão a dar todas as indicações às grávidas e que o melhor conselho, neste momento, é que “evitem ir aos hospitais”. “A maior parte dos hospitais, em Lisboa e no Porto, estão a organizar teleconsultas, porque o risco de as grávidas irem ao hospital passa também, por exemplo, pelo facto de irem de transportes públicos”, esclareceu o médico.
No caso de Rita, que é seguida no setor privado, a consulta da próxima semana não pode ser adiada. Mas as regras de segurança mantêm-se: “Os pacientes aguardam dentro do carro e os consultórios são desinfetados entre consultas”, explicou a futura mãe. Há também análises que precisam de ser feitas. No público, Diogo Ayres de Campos referiu que essas análises devem ser feitas nos centros de saúde, uma vez que há menos pessoas. Além disso, há laboratórios que recolhem as amostras de sangue em casa – mas a lista de espera é grande. Por exemplo, Rita precisa de fazer as análises do último trimestre, já entrou em contacto com três laboratórios e ainda não conseguiu vaga em nenhum.
Durante o parto Neste momento, as unidades hospitalares estão a suspender todas as visitas aos doentes internados, seguindo as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS). E aqui não há distinção entre público ou privado – só as grávidas e doentes pediátricos têm direito a uma visita. Além disso, em alguns hospitais – em Lisboa, Coimbra, Barreiro ou Gaia –, as grávidas vão estar sozinhas no momento do nascimento dos filhos, já que não estão autorizados acompanhantes dentro das salas de parto. “É o meu primeiro filho, é um momento muito importante, e vou estar sozinha”, diz Rita, que já foi informada de que em abril, provavelmente, as medidas vão manter-se.
Também no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, dentro da sala de partos não é permitida a presença de nenhum acompanhante, referiu ao i fonte hospitalar. No entanto, apesar de suspensas as visitas a doentes internados em todas as suas unidades hospitalares – medida tomada na semana passada –, existem exceções: as grávidas internadas e as mulheres que acabam de dar à luz podem receber a visita de uma pessoa.
As medidas foram implementadas de norte a sul, mas há hospitais que estão já a estudar alternativas para a hora do parto. O Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho é um desses exemplos que estão neste momento a ponderar implementar videoconferência no serviço de obstetrícia para que os acompanhantes possam assistir ao nascimento da criança, avançou ontem a Lusa. No entanto, é preciso um parecer do departamento informático e da Unidade de Gestão Intermédia da Mulher e Criança. De acordo com as informações divulgadas em comunicado por esta unidade hospitalar, “será permitida a entrada do pai após o nascimento, por um período de dez minutos”.
Máscara na amamentação As preocupações das mães ou das futuras mães multiplicam-se. E, apesar de ainda não existir muita informação sobre o contágio de mãe para filho, “sabe-se que as alterações imunológicas da gravidez podem predispor para infeções respiratórias, aumentando a morbilidade [taxa de portadores de doença] materna”, referiu o Núcleo de Estudos de Medicina Obstétrica (NEMO) esta segunda-feira.
Segundo o NEMO, há factos que podem descansar as mães. Primeiro, não há evidência de que o vírus se transmita pelo leite materno e “os benefícios da amamentação superam qualquer risco potencial de transmissão de covid-19 pelo leite materno”, lê-se no documento. Durante a amamentação, as mães devem usar máscara facial, além de lavar frequentemente as mãos. Depois do parto, não há também nenhuma prova que diga que o melhor é afastar a mãe do filho. Aliás, “o impacto da separação parece ser mais prejudicial do que o risco de infeção”, diz este núcleo de estudos.
No entanto, o NEMO refere que “estas recomendações não devem sobrepor-se a novas recomendações que a tutela venha a emitir”.
As informações e estudos que chegam todos os dias dividem, no entanto, opiniões. E, apesar dos benefícios da amamentação, segundo Diogo Ayres de Campos, neste momento, a opinião dominante em Portugal “é separar a mãe infetada do filho durante os 14 dias”.
Entre a informação que chega todos os dias, partos sem acompanhantes e a ansiedade que não a deixa dormir, Rita ainda consegue ter sentido de humor: “Já disse aos meus amigos que quando a Maria Rita nascer posso fazer a cena do Rei Leão e mostrar a bebé pela janela”.