Casamentos. “Antes adiar o sonho de uma vida do que programar a nossa morte”

Casamentos. “Antes adiar o sonho de uma vida do que programar a nossa morte”


Há casamentos marcados até ao final de maio que estão a ser adiados. Empresas e noivos jogam pelo seguro, mas há quem prefira esperar e ver se em abril pode casar. As funerárias estão a fazer as cerimónias sem velório.


No último fim de semana, ainda se ouviu o tão aguardado “sim” dos noivos em alguns pontos do país, em casamentos com mais de 100 pessoas, convívio e um distanciamento social difícil de manter. Mas, agora, a saúde sobrepõe-se às celebrações. As juras de amor vão ter de ficar para outra altura e grande parte das quintas onde se realizam os casamentos já estão a avisar os noivos que nos próximos meses não vai haver festa. De norte a sul do país, as preocupações são unânimes: é preciso diminuir o contacto social para conter a propagação do novo coronavírus, mas há também a inquietação do prejuízo resultante dos adiamentos.

Em Coimbra, a Quinta da Couceira já adiou 14 casamentos até ao final de maio e as contas que se fazem neste momento são apenas de subtrair. “Foi um ato de muita coragem, decidimos adiar todos os casamentos e aqueles que quiserem remarcar ainda para este ano não terão de pagar mais por isso”, explicou ao i Sandra Porto, diretora da Quinta da Couceira. Já os casais que quiserem celebrar apenas no próximo ano, esses sim, terão de pagar mais, uma vez que esta quinta ainda tem datas disponíveis para setembro, outubro ou mesmo novembro. “Neste momento, casar a um sábado ou a um domingo deve ser indiferente, temos é de ultrapassar esta situação difícil o mais rápido possível”, acrescentou. Além disso, se os noivos quiserem adiar o casamento para o próximo ano, as quintas correm o risco de atingir o limite da agenda já este ano, não abrindo espaço para novos clientes. “É uma desgraça se os casamentos forem todos marcados para o ano”, disse a responsável pela Quinta da Couceira.

A sul há casos de paróquias ainda mais cautelosas do que aquelas que estão a cancelar as missas das próximas semanas. No Monte Amarelo, em Olhão, há casamentos marcados apenas para os meses de junho e julho, mas um dos casais já foi contactado pela paróquia sobre a possibilidade de não se poder assegurar a comemoração em julho devido à propagação da Covid-19. “No meio de tudo, até estamos aliviados por ter apenas casamentos agendados para daqui a mais de dois meses, porque senão tínhamos de adiar também”, disse a responsável do espaço de eventos Monte Amarelo. “Antes adiar o sonho de uma vida do que programar a nossa morte”, acrescentou, já que os casamentos raramente juntam menos de cem pessoas.

A cautela segue até Guimarães, onde na Quinta da Penha não serão realizados também casamentos até ao final de maio. “Está em causa o reagendamento de umas dezenas de casamentos”, disse Miguel Moreira, proprietário do espaço. Aqui, nenhum cliente se opôs à decisão que foi, aliás, tomada em consenso entre as partes. “É uma questão de segurança”, afirmou Miguel Moreira, que avançou ainda que os próximos passos serão tomados dentro de dias – sobretudo relativamente aos funcionários que ali trabalham.

Além dos casamentos, também encontros familiares, batizados e outros convívios que envolvem muitas pessoas estão a ser cancelados.

Noivos teimosos Na semana passada, com o número de casos positivos de Covid-19 a aumentar de dia para dia, começaram a ser feitas as contas na Quinta da Couceira e foram contactados os dois casais que tinham casamentos marcados para o último fim de semana, para que as celebrações fossem canceladas. Um dos casais admitiu que foi um alívio – primeiro, porque não queriam juntar tanta gente no mesmo espaço, dado o panorama, e depois porque não foi necessário pagar nenhuma taxa adicional pelo reagendamento do evento. Além disso, também alguns convidados estavam a arranjar uma forma simpática de dizer aos noivos que não iriam estar presentes por uma questão de responsabilidade social. “Mas ainda há noivos teimosos”, disse Sandra Porto, acrescentando que foi preciso muito jogo de cintura para convencer um casal a não realizar o casamento. Aliás, se não fosse o bispo a informar que não iria celebrar a missa, provavelmente seriam obrigados a fazer o casamento, mesmo depois de todas as advertências.

Casamentos que continuam na agenda Além das quintas, os fotógrafos são também parte imprescindível da festa. E, apesar de existirem espaços que estão já a tomar medidas de contenção, há ainda quem mantenha, por agora, os eventos na agenda. Ao i, a empresa de fotografia Happy Memories explicou que nenhum dos casamentos que têm planeados – todos nas zonas de Loures e Alenquer – para o mês de abril foi cancelado. “Já telefonámos aos noivos e nenhum disse que não se iria realizar, mas as coisas mudam”, explicou Cláudio Mey.

Ainda a avaliar a agenda estão também a Quinta da Charrete, em Macedo de Cavaleiros, e a Quinta do Gafanhoto, em Cascais. Em abril há um casamento na Quinta do Gafanhoto que está a ser avaliado. “Ainda não tomámos uma decisão, mas provavelmente será adiado”, disse Tiago Esteves, responsável do espaço. Mais otimista está Filipe Pinto, da Quinta da Charrete, que explicou que já foram cancelados os próximos eventos, mas os casamentos de maio continuam na agenda: “Para já, ainda não estamos a cancelar os de maio, as pessoas estão confiantes que isto vai passar”.

Funerais sem velório As orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) quanto à realização de funerais de pessoas infetadas por Covid-19 foram publicadas ontem, mas as agências funerárias já tinham definido algumas regras para proceder às cerimónias fúnebres. Aliás, as medidas da DGS referem-se apenas a vítimas da Covid-19 e não à realização de todos os funerais – apesar de serem cerimónias que chegam a juntar dezenas de pessoas e onde o contacto gerado pelas emoções pode ser inconsciente.

Mesmo antes das orientações da tutela, grande parte das pessoas já não queriam arriscar e aos funerais só iam as pessoas mais próximas. Pelos menos é esse o relato feito ao i por várias agências funerárias. Na Funerária Almeida, em Lisboa, as cerimónias fúnebres são realizadas, disse o responsável Manuel Sampaio, com mais cuidado: “Não fazemos funerais com passagem pela igreja, nem transportamos passageiros nas nossas viaturas”. Pelo menos nos próximos meses não haverá velórios e, garantiu Manuel Sampaio, “as famílias estão a colaborar e só vão as pessoas mais próximas”.

Noutra funerária, as regras são as mesmas. “O plano que temos não foi a DGS que mandou”, disse Artur Palma, da Funerária da Amadora. “Ninguém vai à sala de despedida, para evitar o contacto, e a despedida é feita com o corpo dentro do carro funerário”, acrescentou.

Segundo a DGS, no caso de o funeral ser de uma pessoa vítima da Covid-19, é aconselhável que o corpo seja cremado, “embora não seja obrigatório fazê-lo”, lê-se no documento. Aos familiares é pedido que não abram o caixão.