Vittorio Gregotti. A clareza  da linha

Vittorio Gregotti. A clareza da linha


O arquiteto italiano, que ao lado de Manuel Salgado desenhou o CCB, não resistiu ao coronavírus. Morreu ontem em Milão, aos 92 anos.


O arquiteto italiano Vittorio Gregotti morreu ontem de manhã em Milão, na clínica onde se encontrava internado. Aos 92 anos, Gregotti morreu de uma pneumonia causada pelo Covid-19. A notícia foi avançada pelo Corriere della Sera, que dava ainda conta de que a mulher do arquiteto, Marina Mazza, que também contraiu o vírus, continua internada na mesma unidade hospitalar milanesa, a clínica de San Giuseppe.

Precursor da arquitetura como disciplina independente, colunista, teórico, diretor de revistas de arquitetura, urbanista e o autor de obras de fôlego em diversas cidades – entre as quais se inclui Lisboa, onde, ao lado de Manuel Salgado, criou o Centro Cultural de Belém (CCB) – Gregotti foi um dos grandes mestres da sua área, tendo marcado indelevelmente a segunda metade do século XX, nota o jornal italiano.

A sua visão da arquitetura foi amplamente influenciada pela altura em que iniciou a sua carreira. Nascido em agosto de 1927 em Novara, no Piemonte, formou-se no Politécnico de Milão, onde foi aluno do arquiteto Ernesto Nathan Rogers. Terminou o curso sete após após o fim da Segunda Grande Guerra, numa altura em que a reconstrução da Europa era uma necessidade premente que, longe de estar contida ao seu país, atravessava fronteiras. Assim, rompendo com a arquitetura das vanguardas que dominava as propostas antes da guerra, Gregotti seguiu uma linha racionalista na suas propostas: simplicidade, organização e precisão são, em traços gerais, os mandamentos que seguiu no exercício da arquitetura.

Em 1974, criou o seu ateliê, o Gregotti Associati International. No ano seguinte seria curador da Bienal de Veneza. E 1975 foi um ano chave para a exposição e para a história da arquitetura, uma vez que marcou a independência da mesma como disciplina na Bienal – luta, aliás, à qual Gregotti se devotou com especial empenho e que foi fulcral para, nos anos 80, ser efetivamente criada a Bienal de Arquitetura de Veneza.

Ao longo de uma carreira que se espraiaria por 60 anos, criou projetos como o Estádio Olímpico de Barcelona, o Teatro Arcimboldi de Milão ou o teatro lírico de Aix-en-Provence. E, claro, o CCB.

Uma cidade aberta O projeto entregue por Vittorio Gregotti e Manuel Salgado foi um dos 57 que responderam ao apelo do Estado português. Depois do concurso internacional lançado em 1988, seis candidaturas foram convidados a desenvolver um anteprojeto, recorda a monografia histórica Belém, de Isabel Corrêa da Silva e Miguel Metelo de Seixas. “A obra iniciou-se em setembro de 1988 e desenvolveu-se a contrarrelógio, tendo em conta os limites cronológicos impostos para a ocupação edificada de um espaço de 97 mil metros quadrados”.

O centro de reuniões do edifício foi o primeiro dos cinco módulos a ficar concluído e a entrar em funcionamento – atualmente, está a construção e concessão a uma unidade hoteleira do quinto e último modo está em vias de estar concluída.

Em entrevista ao SOL, Elísio Summavielle, defendia em 2018, ano em que foram celebrados os 25 anos do CCB, a excelência do desenho dos arquitetos responsáveis. “O projeto do Vittorio Gregotti e do Manuel Salgado é de excelência, porque é um edifício que será sempre moderno. Segue uma lógica quase pombalina, é ortogonal: tem uma avenida principal que atravessa todo o CCB, o chamado caminho José Saramago, e depois tem as confluências. E depois são cubos decompostos, uns mais altos do que outros, sendo o mais alto correspondente do Grande Auditório”, definia, ressalvado que, apesar de a discussão acerca desta construção ter polarizado a sociedade nos anos 90, tinha provado ao longo das últimas décadas que está perfeitamente enquadrada com o local. Revestido a lioz de Pero Pinheiro, o que lhe dá “uma característica mediterrânica”, considera o atual diretor. Depois das polémicas iniciais, e mesmo não apelando ao sentido estético de todos, o CCB tornou-se num edifício definidor do eixo de Belém e conquistou públicos, que se habituaria, depois de o evitar, a frequentá-lo como uma verdadeira extensão da cidade – uma das ambições, aliás, a que os seus arquitetos se tinham proposto desde o início, como confessou Gregotti numa entrevista concedida a Ana Sousa Dias, na qual afirmou que gostaria que o CCB se tornasse numa cidade aberta à cultura.

Nos 25 anos do CCB, a obra de Vitorio Gregotti foi, efetivamente, um dos grandes chamarizes. Numa retrospetiva intitulada O Território da Arquitectura: Gregotti e Associados (1953-2017), o CCB prestou homenagem ao arquiteto e à sua obra.. Nessa altura a sua presença era esperada, mas acabou por não se poder deslocar a Lisboa por motivos de saúde. Em 2007, contudo, tinha estado em Portugal para receber o prémio carreira na Trienal de Arquitetura.

Gregotti foi ainda diretor de revistas de arquitetura, como a Rassegna (1979-1998) e a Casabella (1982-1996). Publicou ainda crónicas no Corriere della Sera e no La Repubblica e, mesmo com o avançar dos anos, não deixava de olhar em frente. “O trabalho que mais me representa é sempre o último”, respondia o arquiteto sempre que lhe endereçavam a questão, lembra o Corriere della Sera. E a obra que agora pode responder objetivamente à pergunta está em Itália: trata-se da renovação do Teatro Fonderia Leopolda em Follonica, na Toscana.