A magia do "A queda de Wall Street" (tradução oficial para português), é o facto de nos conseguir explicar de forma simples e divertida as verdadeiras causas da crise que afundou a economia americana e também a europeia, com um destaque especial, entre outros, para o nosso Portugal. Muitas pessoas, antes de verem o filme, certamente não percebiam o que raio são "CDO's", "CDO's sintéticas", agências de notação que vendiam ratings a bancos, reguladores ineficientes e por aí em diante.
Infelizmente, muitos portugueses que não perceberam na teoria o que se passou, perceberam mais dramaticamente na prática. Principalmente depois de 2011 e da intervenção externa que o nosso país sofreu. Eu apanhei a crise na minha entrada no mercado de trabalho e no meu começo de vida familiar. Foram tempos duros, duros demais para perder mais espaço desta crónica a relatá-los. Não gosto nada mesmo de lembrar essa época.
Voltemos ao presente. Há uns meses, poucos meses, o Covid-19 era uma coisa que acontecia lá longe, na China. O que nos diziam é que provavelmente nunca chegaria à Europa, quanto mais a Portugal. A verdade é que chegou a Itália e rapidamente alastrou ao nosso país. Antes era quase uma simples gripe, mas afinal é 10 vezes pior do que uma gripe. Como diria Mark Twain, mais uma vez, o que nos meteu em sarilhos foi mesmo aquilo que tínhamos a certeza que não era verdade.
Até agora, acho que ainda ninguém percebeu o real impacto que esta pandemia vai ter no nosso país, em duas realidades bem distintas. Antes de mais, na realidade mais importante: na saúde dos portugueses. Infelizmente, a comunicação social e as entidades estatais teimam em tratar as pessoas como números. Quando escrevo esta crónica há já 112 afectados em Portugal, alguns em estado grave, entre eles uma miúda de 17 anos em estado crítico – são 112 famílias que têm o coração na mão. São 112 portugueses, como nós, que não sabem se vão ou não viver. São pessoas que são filhos, pais e irmãos de portugueses como nós. Quando estiver a ler esta crónica o mais provável é que este número já tenha disparado – e esteja mais perto de cada um de nós. Mais uma vez os números, quando o que importa é a vida das pessoas.
A outra dimensão, não sendo mais dramática do ponto de vista humano, sê-lo-á certamente do ponto de vista social. Ainda ninguém conseguiu contabilizar o impacto que esta crise terá na economia mundial e especialmente na nossa economia. Os dados estão longe de ser animadores: as bolsas estão em queda nas principais praças; a crise do petróleo está a acentuar; o Estados Unidos da América estão a proibir voos da Europa; as multinacionais preveem quebras na casa dos dois dígitos e há fábricas encerradas por todo o mundo.
Em Portugal, uma economia dependente do Turismo, os efeitos já se fazem sentir: 60% de cancelamentos nos hóteis do Algarve, que rapidamente serão praticamente 100%; restaurantes a ficarem vazios com as novas regras; empresas ou fechadas ou a meio gás; falta de matérias-primas e de componentes tecnológicos importados; e eventos todos cancelados, com um impacto difícil de prever mas que será absolutamente dramático para o sector. Como se isto não bastasse, voltamos ao clima internacional que como vimos em cima está longe de estar favorável.
Na hora que vivemos, mais do que especulamos sobre o que o governo deve ou não fazer, temos que pensar naquilo que nós individualmente e enquanto povo podemos fazer. O governo ontem já tomou várias medidas importantes. Interessa que nós agora estejamos à altura enquanto povo. Como empresário já fiz a minha parte e coloquei todos os trabalhadores em casa para mitigar possíveis contágios. Eu próprio estou em casa. Todos temos que fazer a nossa parte, porque se há umas semanas tínhamos a certeza de uma verdade que afinal era mentira, agora já temos todos os dados em cima da mesa.