É o pico da hora de almoço em plena Baixa de Lisboa e num restaurante chinês com perto de 20 mesas havia apenas duas pessoas a almoçar: os donos do restaurante. “Afaste-se, por favor”, pediu de imediato um deles, que confessa,à distância, planear já fechar portas. E não são os únicos a reagir a qualquer aproximação. As máscaras, sobre rostos fechados, tornaram-se comuns em praças como o Rossio e o sentimento de pânico de muitos portugueses e turistas quase que só permite uma resposta: “Não, não”.
Entrando em outros estabelecimentos comerciais, quando se olha para as caixas veem-se filas de pessoas – muitas com frascos de álcool etílico na mão. “Não pense que é só para mim, levo álcool também para os meus vizinhos”, atirou um dos homens que ontem à tarde esperava a sua vez para pagar num minimercado do Martim Moniz e que não quis ser identificado.
Nessa loja, uma das poucas que apesar de pertencer a uma cadeia portuguesa tem vários letreiros em mandarim, o medo em relação ao coronavírus é evidente. Os funcionários usam máscara, o que muitas vezes tem um efeito contrário ao pretendido.
“Está doente?Apanhou o vírus?”, questionam muitas das pessoas que entram na loja e se deparam com Chen, uma das funcionárias. “Não consigo perceber estas reações, porque estamos a proteger-nos mas também a proteger os outros. No entanto, não é fácil usar estas máscaras, porque nós precisamos comer e não devemos tirá-las”, referiu, confessando que tem havido muito menos pessoas a ir ao supermercado. “Há muito menos clientes. Os portugueses estão com medo. Hoje houve uma senhora que veio aqui perguntar-me se tínhamos máscaras”, adiantou. Mas ali, tal como na maioria dos outros sítios, já não havia.
Não é só nos restaurantes e supermercados que o pânico está instalado devido ao Covid-19. Descendo um pouco, já em frente ao conhecido Hotel Mundial, encontra-se um cabeleireiro para homens onde já não se trabalha sem máscara. Ao i um dos trabalhadores, que não quis identificar-se, frisou o preço de cada unidade: “Não existem em lado nenhum e quando há são muito caras”. E é essa dificuldade que se nota quando se entra numa qualquer farmácia. Maria João Duarte, proprietária de uma das farmácias do Martim Moniz, acabara de sentir as consequências da corrida aos desinfetantes e às proteções. “Acabaram agora. Estamos a tentar repor, mas não estamos a conseguir. Não tenho previsão de ter álcool, que é uma coisa básica e também não temos máscaras”, confessou, admitindo ainda que as pessoas com mais problemas de saúde são das que mais têm corrido à sua farmácia por estes dias por terem noção de que estão num grupo de risco. E, como as portas estão abertas e são procurados por muitas pessoas doentes, de várias nacionalidades, ali as preocupações também são muitas: “Estamos a desinfetar tudo de duas em duas horas. Estamos aqui numa zona complicada e, por isso, há que ter isso em atenção. Há muita gente, principalmente europeus agora. Temos três kits de emergência para, caso exista algum caso confirmado, atuar de forma imediata”, disse.
doentes protegidos Rosária Silva, uma das muitas pessoas a circular com máscara na Baixa de Lisboa, está a fazer quimioterapia e, como todo o cuidado é pouco, prefere proteger-se, uma vez que se encontra vulnerável por estar doente. “Aconselharam-me a andar assim, onde há grandes aglomerados de pessoas, porque apanho tudo, as gripes, a tosse. Prefiro andar assim”, esclareceu, sublinhando que o vírus “não escolhe” nem pessoas nem idades. “No sábado estive presente numa atividade e via pessoas a abraçar-se, a beijar-se, a dar as mãos… Deviam ter um pouco mais de preocupação e estão a agir normalmente”, lembrou, referindo a importância das máscaras numa altura em que se regista um aumento dos casos confirmados. “O Governo devia investir mais. Há muita gente a querer comprar, mas não pode ter porque não encontra à venda”, disse.
É este o espírito das pessoas que vão andando pelas ruas, agora mais vazias. Uma cidade mais deserta, completamente diferente daquela a que há muito os lisboetas se habituaram.
O médico que não cede a alarmismos Num dos restaurantes chineses que o i visitou ontem, havia um português que almoçava como se nada estivesse a acontecer. Encontrava-se na esplanada a comer massa: “Vim a este restaurante porque trabalho aqui perto e é algo que faço algumas vezes. Não vejo razões pelo facto de ser um restaurante chinês de não o fazer. Estamos no exterior, como vê, não há pessoas aqui. E até agora tem sido tudo normal, mas espero que em breve as pessoas saibam que têm de se adaptar a este tipo de problema”, referiu Nuno Alves, médico, que diz não ter alterado a sua vida nos últimos tempos.
“Até agora continuamos a trabalhar como antes, a família continua a fazer o que fazia antes, há mais cuidados com a higiene, como é evidente, mas já tínhamos esses cuidados previamente. Aguardamos que a medida de quarentena seja aplicada, se calhar era o que faria mais sentido. No entanto, temos obrigações profissionais e sociais para cumprir, logo neste momento não podemos fazê-lo de outra forma”, admitiu.