Vila Galé desiste, mas a Coleção Rainer Daehnhardt vai voltar a Alter

Vila Galé desiste, mas a Coleção Rainer Daehnhardt vai voltar a Alter


O grupo hoteleiro desistiu do empréstimo das peças que, depois de terem estado no Museu Nacional dos Coches, vão voltar para Alter do Chão. O protocolo de cedência foi ontem firmado. “É uma notícia extraordinária para Alter do Chão, para o Alto Alentejo e para os portugueses”,  considera o autarca Francisco Reis.


Depois de o assunto ter feito correr muita tinta, está escrito o desfecho: a Coleção Rainer Daehnhardt já não irá para o novo espaço do grupo Vila Galé, mas vai voltar para Alter do Chão. A garantia foi ontem dada pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, depois de ter anunciado, na Assembleia da República, que o grupo hoteleiro tinha desistido de exibir a Coleção Rainer Daehnhardt na nova unidade, que irá esta semana abrir portas em Alter do Chão.

As 42 peças tinham sido cedidas ao Vila Galé pelo Museu Nacional dos Coches, após decisão do Governo, no âmbito do Programa Revive, o mesmo protocolo através do qual a empresa conseguiu a concessão do seu novo espaço, dedicado à arte equestre, e que foi instalado em alguns edifícios da Coudelaria de Alter do Chão. Em janeiro, a secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Ferreira, tinha assinado um despacho que autorizava a cedência das obras por 25 anos, empréstimo que ficaria dependente do cumprimento de questões museológicas de segurança. Mais tarde, afirmou que o hotel teria um núcleo museológico que ficaria aberto ao público. 

Em audição parlamentar, a ministra esclareceu ontem que o novo diretor-geral do Património Cultural, Bernardo Alabaça, tinha enviado no dia 3 de março ao Vila Galé uma notificação em que precisava as condições necessárias à cedência das obras. A diretora do museu Nacional dos Coches, Silvana Bessone, opunha-se à cedência, assim como Luís Raposo, presidente do Conselho Internacional de Museus (ICOM) Europa, tal como várias associações do setor. Perante a notificação da DGPC e a contestação social, o grupo Vila Galé acabou por recuar no pedido de empréstimo. Contactado pelo i, o Vila Galé escusou-se a comentar o tema.

Apesar da desistência, as obras de arte vão mesmo voltar à vila alentejana, de onde saíram em 2018 quando foi necessário retirá-las da Coudelaria de Alter do Chão, onde se encontravam expostas, para que fosse possível levar a cabo os trabalhos de conversão de parte do espaço em unidade hoteleira.

Francisco Reis, presidente da Câmara municipal de Alter do Chão, acredita que esta é uma vitória inequívoca para o interior. “Nem o posso ver de outra forma”, afirma. “É uma notícia extraordinária para Alter do Chão, para o Alto Alentejo e para o país”, diz ao i autarca socialista. Francisco Reis vai mais longe e defende que, na sua ótica, as peças nunca deveriam ter saído de Alter para o Museu Nacional dos Coches, em Belém. Uma decisão, lembra o autarca, tomada de forma unilateral e sem que o município tivesse sido auscultado. “Alguém decidiu que devia ser assim, ninguém pediu esclarecimentos ao município, nem se tínhamos condições para manter as peças”, recorda, tendo presente, contudo, que o património pertence ao Estado. Mas uma vez que estava aqui em causa a coesão territorial – e até porque a coleção foi adquirida por um milhão de euros, logo no início dos anos 2000, tendo parte desse valor sido financiado por fundos europeus cedidos precisamente sob essa vertente – Francisco Reis esperava que fosse líquido para todos os intervenientes que o lugar das peças não poderia ser outro que não Alter do Chão. “Lisboa não precisa de mais peça de arte nenhuma para ter valor acrescentado do ponto de vista turístico”, defende. “Sempre lutámos para que a coleção voltasse ao local de origem e fosse posta à disposição dos portugueses e dos turistas”, afirma.

‘Rocambolesco’ As obras tinham sido retiradas em 2018 da Coudelaria e, na altura, o processo decorreu de forma apelidada de “rocambolesca” por uma fonte conhecedora da situação. Ao que o i apurou, os funcionários do espaço não foram sequer informados de que as peças sairiam do local, tendo a retirada das obras sido autorizada pelo antigo presidente da Companhia das Lezírias, António Saraiva, nos últimos dias do seu mandato (a par do município, a Companhia das Lezírias era também promotora da coleção e a detentora da Coudelaria de Alter). A decisão apanhou funcionários e autarquia de surpresa e, desde então, Alter do Chão lutava para que as peças voltassem ao município.

Um novo museu Daqui a “quatro ou seis meses”, tempo estimado pelo autarca, as obras de arte serão enviadas para a Casa do Álamo, em Alter do Chão, para uma sala que Francisco Reis já se comprometeu a musealizar. A curadoria, esclareceu a ministra da Cultura no Parlamento, ficará a cargo do Museu Nacional dos Coches. Mas esse não será o destino final da coleção. Em cima da mesa está a compra de um edifício no local, por um milhão e meio de euros. O contrato de promessa de compra e venda, diz Francisco Reis, deverá ser assinado na próxima quinta-feira. E é este espaço, onde irá nascer um novo museu/centro interpretativo devotado à temática equestre, o destino final da Coleção Rainer Daehnhardt. Depois deste longo caminho, em Alter há quem, felicitando o regresso das obras, veja um ponto positivo no ‘exílio’ no Museu Nacional dos Coches. “Foi feito um trabalho importante de limpeza, conservação e restauro de que as peças precisavam há muito tempo”, diz João Nisa, arqueólogo, doutorando em História Medieval e membro da Assembleia Municipal de Alter do Chão.

Obras limpas, uma desistência e várias trocas acesas de opinião depois, é hora de a Coleção Rainer Daehnhardt voltar a casa.